Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Judith Butler foi mesmo censurada no Brasil?

Editora Boitempo é obrigada a recolher livros da filósofa e culpa organização cristã

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É razoável dizer que o último livro da filósofa Judith Butler foi retirado das livrarias no Brasil devido à perseguição de uma organização evangélica?

O Brasil é protagonista na história do livro "Quem tem medo do gênero?". Butler o escreveu após ser hostilizada em São Paulo, em 2017. O clima no país estava tenso exatamente um ano antes do pleito presidencial que elegeu Jair Bolsonaro.

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Manifestação em frente ao Sesc Pompeia contra palestra de Judith Butler - Bruno Santos/Folhapress

Foi uma eleição marcada pelo debate sobre moralidade. E Butler influenciou a discussão por teorizar que masculino e feminino são construções sociais e culturais, não apenas biológicas.

Para a Boitempo, a editora que distribuiu e depois precisou recolher o livro de Butler nas livrarias, a perseguição continua. E culpa a Casa Publicadora Brasileira, ligada à Igreja Adventista, por seu prejuízo.

Por meio de um comunicado, a Boitempo diz que a obra de Butler expõe "discursos reacionários" que criam "pânico moral (para) angariar apoio popular a projetos políticos fascistas, autoritários e excludentes". E defende que a CPB usou como pretexto uma infração de direitos autorais para impedir a circulação do livro. Mas a realidade é mais complexa.

A capa de "Quem tem medo do gênero?" foi feita a partir da fotografia de um protesto de rua. Mas o que aparece no livro é apenas a porção de um cartaz com duas ilustrações em destaque. E uma delas é de um personagem de história em quadrinhos que a editora adventista publica há décadas.

A revista em que o personagem aparece se chama Nosso Amiguinho; é uma espécie de "Turma da Mônica" do mundo cristão. Ela circula inclusive fora da "bolha" adventista por ser mais educativa do que religiosa.

O músico Jônatas Luz folheou 373 edições da Nosso Amiguinho lançadas entre 1952 e 2001 para uma pesquisa. "Por décadas, a seção de aprender a tocar violão só tinha música popular brasileira, samba incluso."

Em seu comunicado, a Boitempo zomba do personagem, dizendo que ele é "desconhecido por nós e por toda a torcida do Flamengo". Mas quem será menos conhecido no campo popular: uma revista cristã ou a produção acadêmica de uma filósofa cuja obra é especialmente difícil de ler?

A Igreja Adventista não está livre de pecados. Assim como quase todas as organizações cristãs do Brasil, se encantou pela perspectiva de ocupar o estado e cristianizar a partir dele. E persegue internamente quem resiste. Esse é o motivo da expulsão do pastor Edson Nunes, um ex-adventista.

Mas este episódio nos ajuda a pensar como o campo progressista pode tratar a academia como igreja, cultivar ídolos a partir de "textos sagrados", e promover cruzadas "do bem" contra um inimigo que odeia sem se dar ao trabalho de conhecer de perto.

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