Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

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Jorge Abrahão
Descrição de chapéu desmatamento

Um caso de amor que não pode esquentar

Evitar o aquecimento global é nosso desafio e todos os sinais conduzem à necessidade de preservação da Amazônia

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É impossível não se maravilhar ao conhecê-la. A volúpia da Amazônia emociona a todos que dela se aproximam. Aromas, sons, sabores e paisagens. Indígenas, ribeirinhos e quilombolas formam um todo de difícil separação: são a Amazônia. Todos os sentidos afloram e, de repente, ficamos do nosso real tamanho frente a essa maravilha biodiversa: pequenos e frágeis.

É difícil entender a dimensão e a complexidade dos problemas e territórios a distância. Poder vivenciar e ouvir a perspectiva dos povos da floresta, a partir de onde vivem, foi a melhor experiência proporcionada pelo Fórum Social Pan-Amazonico (Fospa), realizado em Belém (PA) entre 28 e 31 de julho.

A Amazônia ocupa 50% do território brasileiro e conta com 13% de sua população (29,6 milhões em 2021). Distantes deste território, a maioria dos brasileiros têm dificuldade para entender as prioridades da região e como a impacta com seus hábitos de consumo. Ao mesmo tempo, boa parte dos políticos desdenha da deterioração da maior riqueza do país.

 garimpo na Terra Indígena Munduruku
Área de garimpo na terra indígena Munduruku, no Pará - Amazônia Real/Amazon Watch

O desmatamento dobrou nos últimos dois anos e a Amazônia se tornou um espaço violento, em que o crime organizado se estabeleceu no garimpo, madeira, gado e soja. No Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC-BR), o bioma amazônico é o que apresenta a menor média: das 10 piores colocadas entre as 5.570 cidades brasileiras, 9 estão na Amazônia.

São Félix do Xingu, com 130 mil habitantes, é a que mais emite gases de efeito estufa no país, fruto do enorme rebanho bovino e do desmatamento em seu território. São Paulo, com 12 milhões de habitantes, é a quarta colocada. Santana do Araguaia, com 75 mil habitantes no interior do Pará, é a pior colocada no IDSC-BR, com 13 dos 17 ODS, classificados na cor vermelha. Ou seja, com grandes desafios a alcançar. Nela, 19% das casas não têm luz elétrica.

Estamos perdendo a Amazônia para o comércio de minérios, pesca, soja, carne e madeira, em sua maioria ilegais. O ciclo de produção e consumo de produtos da floresta ainda carece de muita fiscalização, aumentando a responsabilidade dos consumidores (de todas as regiões do país e, inclusive, do exterior) sobre o futuro da região. É insanidade desperdiçar uma das maiores riquezas do planeta com barganhas mercantis, quando essa região abriga uma biodiversidade, florestas e conhecimento ancestral que são importantes alternativas para a salvação da humanidade.

Equívoco estruturante é o Brasil, um dos países com maior riqueza natural do planeta, ter se tornado uma grande fazenda, e o governo, juntamente com alguns setores econômicos, ainda se vangloria disso. Como se fosse uma virtude, não percebem o desperdício de não agregar valor aos produtos e ainda contaminar o solo e as águas com agrotóxicos.

Diante de tal descalabro, muitos no Fospa defenderam a decretação de emergência climática na Amazônia. Isto porque estamos chegando ao ponto de não retorno, quando a absorção é menor que a emissão de CO2. Para tanto, a proposta é parar de consumir produtos amazônicos até que todos possam ser rastreados e legalizados. A ideia é combater a ilegalidade que grassa solta e tem estímulo do governo federal.

As recomendações passam também por reduzir o desmatamento a zero e não somente dar fim ao desmatamento líquido, via compensação; mas avançar na demarcação de terras indígenas e obedecer a convenção 169 da OIT, que reconhece o direito dos povos originários à terra e aos recursos naturais, assim como à definição de suas prioridades para o desenvolvimento.

O segredo de uma boa relação entre a população não moradora e a Amazônia passa pela criação de um pacto de não agressão, pois somos mais frágeis e precisamos mais dela do que ela de nós. Não podemos aquecer o planeta em 1,5 grau, e para isso basta seguirmos a receita das relações exitosas: respeito, compreensão, proteção e independência.

Uma Amazônia preservada absorve carbono, produz chuva e reduz a temperatura do planeta. Hoje a Amazônia está virando um centro de comércio de commodities, tornando-se, com isso, um acelerador da mudança climática, em vez de um redutor. Nesse sentido, os países que condenam o desmatamento devem também evitar o consumo de produtos da Amazônia não rastreados. A soja, a carne e a madeira são comprados por países do Norte global, que se colocam como protetores da Amazônia, mas são, ao mesmo tempo, seus algozes.

Todos os sinais conduzem à necessidade de preservarmos a maior floresta tropical do planeta, dada sua importância estratégica para a biodiversidade e manutenção das reservas de carbono. Estamos na última década para produzir ações que revertam esse quadro. A importância dos próximos governos, federal e estaduais, será chave para a reversão do quadro deplorável que vivemos nos dias de hoje.

Evitar o aquecimento global é o desafio que temos até o final desta década. Nosso afeto pela Amazônia será tanto maior quanto menos contribuirmos para que ela aqueça o planeta. Ao contrário do que é usual nas relações, nossa aproximação deve ser para gerar mais frio e não calor.

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