João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

João Pereira Coutinho
Descrição de chapéu Oscar

'Terra de Deus' é um filme para espíritos corajosos e, sobretudo, os pacientes

Longa-metragem é lição para aqueles que se deixam conduzir pela 'tirania da ideia', seja de ordem religiosa ou ideológica

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lucas foi avisado: antes de partir da Dinamarca para a Islândia em finais do século 19, com o propósito de estabelecer uma igreja luterana em terra inóspita, o seu superior eclesiástico o alertou para a feroz violência da natureza.

A viagem seria uma provação, um teste à sua fé, uma forma de ele se confrontar com os seus limites. Missão difícil, mas não impossível: os apóstolos enfrentaram desafios iguais, ou até piores. Nada é impossível pela graça de Deus.

Cena do filme 'Terra de Deus'
Cena do filme 'Terra de Deus' - Divulgação

Além disso, viver entre os locais significa também ser capaz de entender os seus costumes e estar disposto a se adaptar a eles. Um ato de humildade, de renúncia —e de sobrevivência física e espiritual.

Lucas parte, com o orgulho próprio dos ungidos, e os conselhos perdem-se na viagem. Inflexível na sua fé e na sua retidão, são as circunstâncias que se devem adaptar a ele.

É um mau caminho: numa das sequências mais importantes do filme "Terra de Deus", a gigantesca cruz de madeira que ele transporta no dorso do cavalo para a nova igreja é levada pela corrente do rio, como se fosse um destroço sem importância. Um prenúncio da morte, da primeira morte, que virá de seguida.

Mas não é apenas a natureza que se recusa a obedecer à obstinação de Lucas. Os habitantes o olham com desconfiança e o seu guia, Ragnar (assombroso Ingvar Sigurdsson), personifica essa relutância. Rude e selvagem como as paisagens que o rodeiam, nele habita o paradoxo do renegado: a vontade de ser acolhido pela igreja e a certeza de que essa submissão é uma impossibilidade e uma ameaça.

"Terra de Deus", terceira longa de Hlynur Pálmason, em cartaz no Brasil, foi indicado pela Islândia a uma vaga no Oscar para melhor filme estrangeiro.

Duvido que tenha chances: na sua austeridade e beleza, a Islândia captada pela câmera de Pálmason mostra o silêncio da paisagem, a indiferença da natureza aos planos dos homens e a inexorável passagem do tempo, que tudo neutraliza e absorve. É um filme para espíritos corajosos e, sobretudo, pacientes.

Mas o filme é também uma lição para aqueles que se deixam conduzir pela "tirania da ideia", seja religiosa ou ideológica: a crença infantil de que a vontade humana move montanhas e que somos nós, senhores do nosso destino, que podemos decidir o destino dos outros e do mundo.

É uma crença que termina quase sempre na destruição e na loucura.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.