Sempre gostei daquelas crianças que fecham os olhos para não verem a realidade. Muitas das reações à sabatina de Donald Trump transmitida pela CNN me fazem lembrar essas crianças. Teria sido melhor não transmitir; cancelar; fazer de conta que ele não existe, disseram as crianças.
Pensamento bizarro: o Donald lidera as pesquisas para vencer a indicação republicana para as presidenciais de 2024. Pode voltar a ser presidente dos Estados Unidos, atendendo ao estado pavoroso da economia do país e à fraca popularidade de Joe Biden.
Mas o "establishment" progressista desejava um cordão sanitário para impedir a peste de entrar na cidade. Não aprenderam nada e não esqueceram nada.
O caso não é novo. É até bem velho. Como lidar com demagogos que fazem da mentira e da manipulação uma forma de vida?
Existem duas formas, péssimas, de responder a essa pergunta. A primeira é pelo silêncio; a segunda é pela histeria. Ambas são aliadas objetivas de um demagogo, que reforça entre os fiéis o seu estatuto de herói contra o sistema.
Depois dos fiéis, virão os outros: os indecisos, igualmente conquistados pela "injustiça" do tratamento.
E, no entanto, a forma correta de lidar com um demagogo já foi explicada há 2.500 anos por um tal de Sócrates numa Atenas que estava infestada deles. É pela razão, e pelo inquérito racional, que os demagogos são vencidos, mostrou o filósofo. Se optamos pela emoção, estamos em desvantagem porque esse é o território dele.
A jornalista Kaitlan Collins da CNN optou pela razão. Nem sempre foi eficaz, admito, e os aplausos de uma plateia pró-Trump não ajudaram.
Mas, pelo menos, a jornalista fez perguntas (sérias) e, perante as mentiras de Donald Trump, fez um esforço (sério) para rebatê-las, sem estados de alma infantis.
A eleição de 2020 foi roubada? Trump diz que sim. A jornalista explicou que não, citando os tribunais e todas as instituições independentes que analisaram o assunto.
Trump tentou impedir a invasão do Capitólio? Trump diz que sim. A jornalista explicou que não: enquanto a violência e o saque decorriam, Trump nada disse e nada fez. E o seu secretário de Estado da Defesa, Chris Miller, negou que o então presidente tenha mobilizado a Guarda Nacional para impedir a insurreição.
O mesmo método –mentira primeiro, correção depois– foi aplicado em todas as matérias relevantes, mostrando que o muro com o México não foi "finalizado" pelo ex-presidente; que a Ucrânia não será apoiada com ele na Casa Branca; e que os documentos classificados que levou para a sua casa de Mar-a-Lago, na Flórida, são uma violação do Presidential Records Act (no mínimo).
Aliás, a frustração de Trump ficou expressa no insulto "pessoa horrível" que ele lançou contra a jornalista já no final da sabatina.
É um bom elogio. E também uma certeza: a viagem de Donald Trump para a Casa Branca será mais difícil se ele encontrar "pessoas horríveis" dessas pelo caminho.
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