Na minha qualidade de leigo, ri alto com a carta pública que vários sábios assinaram pedindo uma pausa no desenvolvimento da inteligência artificial.
O tema é sério, parece. Mas a atitude do pessoal faz lembrar aqueles adolescentes que, bem bebidos e bem fumados, descobrem subitamente que as coisas foram longe demais. Os pais estão chegando e a casa está pegando fogo.
De acordo com os sábios, os laboratórios de I.A., numa corrida infernal, estão produzindo cérebros digitais cada vez mais poderosos e, um pormenor importante, cujo funcionamento ninguém entende direito, muito menos controla.
Por causa disso, pedem uma "moratória" de seis meses, só para curar a ressaca. Eu não disse que parecem adolescentes?
E esses são os otimistas, atenção, que ainda acreditam em "moratórias". Na revista Time, o cientista de computação Eliezer Yudkowsky vai mais longe e pede o fim da pesquisa em inteligência artificial. Ou isso, ou morremos todos, diz ele.
Não me perguntem onde mora a verdade. Como diria um personagem de Woody Allen, eu nem sei como funciona o abridor de latas.
Por um lado, o mundo anda há tempo demais a fantasiar sua própria extinção. Pode ser um bug informático na virada do milênio. Ou uma pandemia. Ou o aquecimento global. Ou uma guerra nuclear.
Nesse sentido, acrescentar a inteligência artificial à conta pode soar a história batida.
Por outro lado, eu engulo em seco quando vejo o quase centenário Henry Kissinger interrompendo a aposentadoria para assinar, juntamente com Eric Schmidt e Daniel Huttenlocher, dois entendidos no assunto, um livro como "The Age of A.I.: And Our Human Future".
Qualquer pessoa interessada no assunto deve começar por aqui, não pela carta pública: o tom é calmo, pedagógico, moderadamente otimista. E sensato.
A primeira sensatez está no fato de que não é possível "desinventar" as coisas. Quando o gênio sai da lâmpada, ele se espalha por aí.
De nada adianta uma moratória de seis meses. Ou até o fim da pesquisa em inteligência artificial pelos laboratórios conhecidos. Haverá sempre alguém, algures, operando na clandestinidade.
Mas a suspensão ou a proibição também não resultam porque a inteligência artificial, que já está presente em mil atividades ou indústrias, é um avanço epistemológico assombroso.
Como defende o trio de autores, os principais avanços que a humanidade foi registrando constituíram sempre um acrescento a algo que já existia.
Os filmes são fotografias em movimento. Os automóveis substituíram as carruagens. Os tanques de guerra estão na continuidade da cavalaria. Até as armas nucleares, no fundo, levam ao extremo a capacidade destrutiva das armas convencionais.
O que parece distinguir a inteligência artificial não é apenas a capacidade de processar quantidades obscenas de informação. É o fato de detectar aspectos da realidade que escapavam aos seres humanos. Uma benesse?
Pode ser: na medicina e em outras ciências naturais, o salto será gigantesco na descoberta de novas técnicas ou terapias. Já acontece.
O impacto será mais problemático em áreas onde a supervisão humana não pode ser descartada. Como a guerra, claro, onde a dúvida e a "moralidade" podem fazer a diferença entre a sobrevivência e a catástrofe. Um cérebro digital sem dúvidas (e sem moral) é um convite para o inferno.
Como defendem os autores, há três tipos de relação que podemos estabelecer com as novas máquinas: podemos limitá-las; agir em parceria com elas; ou nos submeter.
Não existe uma resposta pronta para todos os cenários. Haverá momentos em que a máquina terá um ascendente óbvio sobre os humanos —na detecção de doenças, por exemplo, e até na busca de certas farmacologias.
Haverá outros momentos em que a inteligência artificial será mais um instrumento auxiliar da ação humana, como sempre aconteceu com as novas tecnologias.
E haverá circunstâncias em que a última palavra deve ser a nossa, não a de um algoritmo qualquer. Seremos capazes de estabelecer essas diferenças?
Mistério. Mas desconfio que seria mais proveitoso discutir e aplicar as respostas a essa pergunta do que fantasiar com a inocência perdida.
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