Já passava das 11 horas da manhã quando duas ativistas da Just Stop Oil entraram na National Gallery, de Londres. Segundo os jornais, caminharam até a sala 43 e, em protesto, jogaram sopa de tomate no quadro "Os Girassóis", de Vincent Van Gogh.
Depois, como é da praxe, colaram as mãos à parede.
Calma, leitor esteta: a pintura está protegida por um vidro. Calma, leitor humanista: as duas ativistas foram descoladas da parede com todos os cuidados.
Minha pergunta é outra: será que esse tipo de ação é a melhor forma de despertar o mundo para a emergência climática?
Anos atrás, o filósofo francês Pascal Bruckner já tinha alertado para os efeitos contraproducentes de algum ativismo ambientalista.
Por um lado, os ativistas tendem a apresentar a humanidade com as cores infernais da corrupção moral mais extrema. Por outro, esperam que essa mesma humanidade seja também capaz de salvar o planeta.
O paradoxo, tão óbvio que até dói, é saber como uma humanidade corrupta pode se transformar, subitamente, num coro de anjos celestiais. Por medo do apocalipse?
Lamento, mas esse é o segundo engano: quanto mais inalcançável for a missão, mais depressa a maioria desiste dela. A preguiça é diretamente proporcional à urgência –quando a segunda sobe, a primeira sobe também. Só um desconhecimento total da natureza humana poderia pensar o contrário.
Os ativistas que vandalizam obras de arte pelos museus do Ocidente cometem os mesmos erros. Mas acrescentam um terceiro: por mais importante que seja preservar a Mãe Terra, é igualmente importante perguntar para quem se preserva. Para estes fanáticos?
Não falo pelos outros; falo por mim. Sempre que assisto ao vandalismo gratuito do melhor que somos –e a arte é o melhor que somos–, duvido que valha a pena o esforço de nos salvarmos.
Alguns dirão: que interessam as coisas do espírito quando está em causa a nossa sobrevivência coletiva?
É uma falsa equivalência: é perfeitamente possível conciliar as coisas do espírito, preservando-as, com o planeta em que vivemos, preservando-o também.
Se, pelo contrário, a sobrevivência implicar o mesmo tipo de comportamento que o Talibã dedicava às obras de arte no Afeganistão, que se dane a sobrevivência. Eu não quero viver no mundo do Talibã.
No momento da detenção, uma das ativistas ainda disse: "A crise do custo de vida é parte do custo da crise do petróleo. O combustível é inacessível a milhões de famílias frias e esfomeadas. Nem sequer se podem dar ao luxo de aquecer uma lata de sopa".
Estou confuso: afinal, o problema é a queima de combustíveis fósseis ou o preço exorbitante dos mesmos?
Alguém deveria informar essas crianças que não é possível ter o bolo e comê-lo.
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