Na velocidade da luz, em termos históricos e diplomáticos, o cenário geopolítico do Oriente Médio se transforma, num ritmo a desafiar até mesmo previsões mais otimistas sobre a construção de uma dinâmica de convivência entre Israel e países árabes. Nesta sexta-feira (1º), por exemplo, representantes israelenses e dos Emirados Árabes Unidos assinaram um inédito acordo de livre comércio, depois de escassos cinco meses de negociações.
A cerimônia de assinatura ocorreu em Jerusalém, e poucos dias depois de outro momento histórico: a reunião, em Israel, de ministros das Relações Exteriores de cinco países, além do anfitrião: Egito, Emirados Árabes Unidos, Marrocos, Bahrein e EUA. Na agenda, o fortalecimento dos Acordos de Abraão, assinados em 2020 e responsáveis pela caravana diplomática a redesenhar o Oriente Médio.
E, num lamentável e trágico padrão histórico, ataques terroristas emergem quando do avanço de movimentos, na região, rumo à paz. Três atentados em solo israelense mataram 11 pessoas em cerca de uma semana.
A violência, no entanto, será incapaz de deter o processo de pacificação. Os pilares da normalização de relações entre Israel e ex-inimigos apresentam enraizamento profundo, sustentado pela realidade imposta pelo século 21.
Um fator a explicar a nova dinâmica chama-se regime teocrático iraniano. Desde a revolução de 1979, Teerã embarca em projeto de expansão de sua influência regional, alimentando tensões com as monarquias conservadoras do Golfo Pérsico, como Arábia Saudita e EAU, e com Israel.
Com as preocupações de segurança ampliadas pelas ambições nucleares iranianas, lideranças israelenses e árabes do Golfo Pérsico engataram um diálogo, no início secreto, anos atrás, fase inicial do processo a resultar nos Acordos de Abraão. Assinaram o tratado Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão.
Além de rivalidades regionais, há um fator ainda mais decisivo no aproximação entre antigos adversários: a era pós-petróleo. Países árabes, dependentes do produto há décadas, optaram por modernizar e diversificar suas economias, diante da inevitável perda de relevância da atividade petrolífera, em meio aos avanços na busca de fontes de energia limpas e renováveis.
Israel, ao oferecer tecnologias e dinamismo econômico, passou a despontar como parceiro valioso nos projetos de permanência no poder de diversos regimes árabes. E o Egito fornece mais um exemplo da virada histórica.
Depois das guerras de 1948-9, 1956, 1967 e 1973, o Egito se tornou o primeiro país árabe a assinar um tratado de paz com Israel, em 1979. Endossaram o documento o egípcio Anuar Sadat, o israelense Menachem Beguin e o americano Jimmy Carter.
No entanto, ao longo de décadas, o Cairo optou por uma "paz fria", sem investir em relações comerciais e culturais. O general Abdul al-Sisi, presidente desde 2014, trabalha para seguir o exemplo das monarquias do Golfo Pérsico e construir uma infraestrutura de cooperação com Israel.
A 22 de março, Al-Sisi recebeu, em solo egípcio, os governantes Mohammed bin Zayed, dos Emirados Árabes Unidos, e Naftali Bennett, de Israel. Entre os temas abordados, consequências da guerra na Ucrânia na questão alimentar do Oriente Médio. Vendas russas e ucranianas costumavam responder por 80% do trigo importado pelo Cairo.
Pressionado pela alta do preço internacional do produto e com medo de seus efeitos na economia egípcia, Al-Sisi já dialoga em busca de ajuda e de soluções com emiradenses, sauditas e catarianos. E agora, quem diria, também com os vizinhos israelenses.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.