Após partir de Mumbai, no oceano Índico, o navio singra para chegar aos Emirados Árabes Unidos e despejar o carregamento de celulares indianos. Em seguida, um trem com a carga corta desertos na Arábia Saudita e na Jordânia e chega a Israel. Uma embarcação, no porto de Haifa, zarpa com as mercadorias rumo à Grécia, para o encontro com os consumidores europeus.
O périplo, planejado a partir de uma lógica geoeconômica em formação, seria impensável poucas décadas atrás. Mas imaginar o percurso joga luzes sobre duas tendências a se solidificarem: a Índia reforçando sua posição como exportadora de produtos industrializados e a cooperação, apoiada nos chamados Acordos de Abraão, entre Israel e ex-inimigos do Oriente Médio, como Emirados Árabes Unidos e Bahrein.
Estudos sobre o novo roteiro comercial calculam em 10 dias a viagem para o celular produzido na Índia chegar à Europa, prazo inferior, por exemplo, ao que usa o tradicional canal de Suez. Trata-se, portanto, de mais um capítulo das mudanças na "ordem econômica euro-asiática".
Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, visitou Israel. E, ao lado do colega israelense Yair Lapid, participou de videoconferência com diplomatas dos EUA e dos Emirados Árabes Unidos, confabulação quadripartite impensável anos atrás.
Na Guerra Fria, Israel e Índia costumavam viver em campos opostos. Enquanto israelenses cultivaram a aliança com os EUA, indianos optaram por laços com a URSS. O colapso soviético, em 1991, correspondeu a um choque de realidade para os governos socialistas de Nova Déli, levando-os à adoção de reformas econômicas pró-mercado e de um realinhamento diplomático modelado pela aproximação com Washington e pelo abandono da cartilha "terceiro-mundista".
O temor do crescimento vertiginoso da vizinha China também impulsionou a Índia a buscar apoio da Casa Branca. E a reconfigurada diplomacia indiana do pós-Guerra Fria, sem abandonar laços com países árabes, se aproximou de Israel por aliança política, econômica e militar.
A decolagem da Índia se apoiou, a partir de 1991, sobretudo no dinamismo do setor de serviços, exemplificado por áreas tecnológicas e pelos famosos call centers. A estratégia, no entanto, não se mostra capaz de resolver um desafio premente: gerar empregos para indianos vivendo na zona rural. Correspondem a 65% da população, ou seja, cerca de 890 milhões de habitantes.
A chave residiria na industrialização como geradora de empregos em larga escala. Nas próximas décadas, a Índia pretende seguir o caminho trilhado pela China nas fases iniciais de sua decolagem: industrializar, gerar postos de trabalho e urbanizar.
Seria uma espécie de troca da guarda. A China decolou, a partir de 1978, como a "fábrica do mundo", em acelerada industrialização e urbanização. Atualmente, o motor principal da economia chinesa passa a ser a construção do maior mercado consumidor do planeta, apoiado numa inédita classe média, com centenas de milhões de pessoas.
Com o slogan "Make in India", o premiê direitista Narendra Modi busca atrair empresas e investimentos estrangeiros, para novo ciclo de crescimento econômico. E, agora, caberia aos indianos o papel de "fábrica do mundo".
Revisões estratégicas da Índia levam em conta também as mudanças tectônicas do Oriente Médio, região fulcral para passagem de produtos indianos, por exemplo, a mercados europeus. E, de olho em cenários renovados, os estrategistas de Nova Déli redesenham alianças políticas e rotas comerciais.
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