Iniciativa diplomática mais relevante do Oriente Médio em décadas, os Acordos de Abraão, normalização de relações entre Israel e quatro países árabes, completaram um ano e receberam, ao mesmo tempo, impulso como um reflexo da crise afegã. A tragédia em Cabul evidenciou elemento fundamental a aproximar antigos inimigos médio-orientais: a diminuição da presença dos EUA na região.
Avaliações de um ano dos Acordos de Abraão evidenciam aproximação entre seus signatários, Israel, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. Como exemplo, o histórico desembarque do chanceler israelense, Yair Lapid, a 11 de agosto, em solo marroquino.
No dia 13 de agosto de 2020, Israel e EAU anunciaram laços diplomáticos. Os Acordos de Abraão começaram com monarquias conservadoras do golfo Pérsico, com as quais os israelenses mantinham, há anos, diálogo sob as sombras. E, embora não participe do tratado, a Arábia Saudita obviamente deu sinal verde para a aproximação implementada por seus aliados emiradenses e barenitas.
Um conjunto de fatores levou à guinada histórica, a transformar inimigos em aliados. Primeiro, a percepção de lideranças árabes da necessidade de, com a aterrissagem da chamada era pós-petróleo, diversificar suas economias. Bahrein e Emirados Árabes Unidos, com investimentos em turismo e finanças, exemplificam a tendência.
Israel, epicentro de produção tecnológica, passou a ser percebido como parte da solução para diversos regimes do mundo árabe, em aliança a alimentar a modernização de economias congeladas pela riqueza petrolífera.
Fator geopolítico também guarda peso gigantesco na equação. Israel e monarquias conservadoras do golfo Pérsico compartilham a rivalidade com o Irã, empenhado em expandir, desde a revolução de 1979, sua influência no Oriente Médio.
Para Teerã, o embate com o inimigo israelense corresponde ao DNA anti-EUA e antidemocrático do regime dos aiatolás, enquanto a rivalidade com potências árabes deriva de diferenças no mundo muçulmano: os sauditas são majoritariamente sunitas, enquanto o xiismo prevalece em solo iraniano.
Ambições expansionistas do Irã se verificam em suas ações no Líbano, no Iraque, na Síria e no Iêmen. Israel e países árabes de maioria sunita se aproximam, portanto, para enfrentar o desafio arquitetado por Teerã, em cenário marcado ainda pelo “pivô para Ásia”, conceito a nortear a diplomacia americana desde a era Barack Obama.
O Oriente Médio, ao final da Guerra Fria, obteve o status de foco principal da política externa de Washington, pela relevância petrolífera e pelo combate ao terrorismo. No entanto, a China, com sua meteórica ascensão econômica, virou a prioridade diplomática para a Casa Branca, pois Pequim transformou-se no primeiro país, desde a desintegração da URSS, a poder colocar em xeque a hegemonia global dos EUA.
O “pivô para Ásia” é o movimento americano de diminuir presença no Oriente Médio, sem abandoná-lo, e deslocar recursos políticos e militares para as cercanias da China, no esforço de contenção de Pequim.
Tal estratégia também entrou na lógica a sustentar os Acordos de Abraão. Os adversários do Irã perceberam a necessidade de se aproximarem, diante do emagrecimento da presença do aliado americano no Oriente Médio.
E a saída atabalhoada dos EUA do Afeganistão, país nas vizinhanças médio-orientais, reforça a tese, de Israel e de países árabes, da necessidade de ampliar cooperação, até mesmo na área de segurança, para enfrentar um adversário chamado Irã.
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