Xi Jinping e Vladimir Putin experimentaram, nestes dias, cardápio agridoce. Em Moscou, festejaram a parceria com a tradicional diplomacia dos pandas.
Amargaram depois raros recuos em suas potentes máquinas autoritárias, pressionados por reações intensas e desafiadoras das sociedades chinesa e russa.
Hong Kong testemunhou no domingo e a 9 de junho as maiores passeatas desde seu retorno ao controle da China, em 1997, após 156 de colonialismo britânico.
Como principal demanda, a derrubada do projeto de lei a facilitar extradição do célebre centro financeiro no sul do país ao opaco sistema judiciário controlado pelo Partido Comunista chinês.
Devolvido a Pequim sob a fórmula "um país, dois sistemas", Hong Kong conserva estruturas democráticas herdadas da era britânica, e cultiva liberdades políticas inexistentes no resto do espaço chinês.
A China respeita, grosso modo, o acordo costurado em 1984 por Deng Xiaoping e Margaret Thatcher, mas a reação em ruas cantonesas demonstra rejeição à crescente influência, no território, de mandarins pequineses.
No sábado, foi anunciada a suspensão da iniciativa parlamentar. "Aceitamos as críticas com sinceridade e humildade, e vamos melhorar. O governo escutará abertamente as opiniões sobre o projeto legislativo. Vamos nos comunicar com a sociedade, vamos explicar mais e vamos ouvir mais", declarou Carrie Lam, a chefe do poder executivo em Hong Kong, eleita em processo controlado por Pequim.
As palavras de Carrie Lam sinalizam digitais do governo central. Segundo o South China Morning Post, principal publicação de Hong Kong, a dirigente havia se reunido com o vice-premiê chinês, Han Zheng.
Erupções sociais provocaram também marcha à ré da engrenagem de poder putinista. No começo de junho, o jornalista investigativo Ivan Golunov foi preso, acusado de tráfico de drogas.
O Kremlin respaldou, por meio de seu porta-voz, novo capítulo de repressão à mídia independente, em roteiro frequente na Rússia pós-soviética.
O episódio, porém, desencadeou respostas inauditas, como campanhas de apoio a Golunov até mesmo em meios de comunicação leais ao governo.
Oposicionistas marcharam no centro de Moscou, e, após a repressão deter cerca de 500 pessoas, Putin cedeu e demitiu as autoridades policiais acusadas de forjar a acusação contra o jornalista.
Xi e Putin sentiram ventos mudancistas, oriundos de Hong Kong e Moscou, modelados por cenários sociais que, gradualmente, se tornam mais complexos e, portanto, originam novas demandas e reações.
Separadas por trajetórias históricas distintas e mecanismos de governo diferentes, China e Rússia sentem sinais dos tempos, como expansão de suas classes médias, a lançar novos desafios aos projetos de poder em vigor.
Em meio ao caleidoscópio de transformações, brilhou também o passado no noticiário envolvendo russos e chineses.
A China, para cortejar a Rússia, recorreu recentemente a prática iniciada no século 7, durante a dinastia Tang, quando presenteou o Japão com um panda, em afago diplomático apoiado no carismático animal.
O casal Ru Yi e Ding Ding foi emprestado, por 15 anos, num projeto também de cooperação científica. Em cerimônia no zoológico de Moscou, Putin declarou, ao lado do colega chinês: "Quando falamos de pandas, sempre terminamos com um sorriso no rosto".
Os protestos, no entanto, evidenciam não haver, para Xi e Putin, apenas momentos para sorrisos. Cedo ou tarde, o século 21 vai demandar mais mudanças em palcos russos e chineses.
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