Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e em Pequim. Na coluna, fala sobre rela��es internacionais, com aten��o especial ao Oriente M�dio. Escreve �s segundas, a cada duas semanas.
No conflito israelo-palestino, heran�a sovi�tica se mostra mais renitente
O calend�rio j� acusa: faltam cerca de dois meses para o vig�simo quinto anivers�rio da desintegra��o da URSS. S�o in�meras as cicatrizes esculpidas pelo laborat�rio maquinado a partir do Kremlin, e, no cen�rio internacional, o conflito israelo-palestino desponta como um dos cap�tulos em que a heran�a sovi�tica se mostra mais renitente.
No auge da Guerra Fria, Moscou decidiu implementar uma estrat�gia de demoniza��o de Israel, com o objetivo de, indiretamente, minar a posi��o de seu arqui-inimigo, os EUA, no Oriente M�dio. E, ainda hoje, hipnotizam a chamada esquerda global dogmas urdidos pela m�quina de propaganda sovi�tica, respons�vel por deixar uma heran�a de leituras reducionistas da disputa entre palestinos e israelenses.
Quando da independ�ncia de Israel, em 1948, Washington e Moscou disputaram a paternidade do primeiro reconhecimento diplom�tico do Estado judeu. Buscavam, nos prim�rdios da Guerra Fria, atrair o projeto sionista para sua �rea da influ�ncia. O ditador Josef Stalin recebeu efusivamente a primeira embaixadora de Israel em solo sovi�tico, de nome Golda Meir. Mas o flerte foi se esvaindo. Ao longo dos anos 1950, com a expans�o de regimes ditos socialistas em pa�ses �rabes, a URSS preferiu se aproximar do campo liderado pelo Egito nasserista.
Os EUA, mergulhados na paranoia macarthista e anticomunista, olhavam com doses de desconfian�a aos primeiros governos israelenses, socialmente apoiados nos kibutzim (fazendas coletivas, em hebraico). Israel, em seus primeiros anos, encontrou ent�o o principal aliado estrat�gico na Fran�a, �s voltas com o levante anticolonial na Arg�lia insuflado tamb�m pelo nacionalismo pan-arabista do presidente eg�pcio Gamal Abdel Nasser.
Depois da vit�ria israelense na Guerra dos Seis Dias, em 1967, o tabuleiro do Oriente M�dio ficou mais claro para a l�gica bin�ria da �poca. Washington eliminou a desconfian�a em rela��o aos socialistas governantes de Israel e transformou o pa�s em seu principal aliado na regi�o. Moscou aprofundou parcerias com Egito e S�ria.
Para o Kremlin, sabotar Israel significava enfraquecer, por tabela, Washington. As turbinas do departamento de propaganda do partido comunista da URSS foram ativadas, e o sionismo entrou na linha de tiro de petardos sovi�ticos.
Moscou passou a descrever o movimento nacionalista judaico como quintess�ncia do "chauvinismo e do racismo". Surgiu, na ofensiva ideol�gica, a pseudoci�ncia da "sionologia", inven��o sovi�tica para esquadrinhar governos israelenses e seus aliados, descritos pela m�dia oficial como "culto de promiscuidade pol�tica".
A URSS vendia o conflito israelo-palestino como "batalha maior entre opressores e oprimidos".
Motes propagand�sticos repetidos � exaust�o viraram c�nones para a esquerda dogm�tica, incluindo setores que se dizem contr�rios ao modelo sovi�tico
A Guerra Fria e a Uni�o Sovi�tica se dissolveram. Sobrevivem, no entanto, vis�es turvas e manique�stas sobre o conflito israelo-palestino apoiadas em mitos desenhados, d�cadas atr�s, em corredores sombrios do Kremlin.
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