No fim da tarde de 15 de março de 2018, eu estava com a equipe do Instituto Igarapé no meio da multidão reunida em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no Centro da cidade. Era um ato de protesto e indignação contra o assassinato, na véspera, da vereadora Marielle Franco, do PSOL, e de seu motorista, Anderson Gomes. Nós conhecíamos Marielle e acompanhamos de perto a comoção, as idas e vindas, as incongruências do processo de investigação.
Agora, seis anos depois, em seu desfecho, esse terrível caso revela para a sociedade a intricada rede de corrupção e crime organizado violento enraizada nos sistemas políticos e de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Essa rede permite e se sustenta no exercício do poder de grupos paramilitares como as milícias —fato que não é novidade para quem trabalha com segurança pública no Brasil.
Mas, se naquele momento, essa complexidade já se anunciava, hoje o cenário é muito mais grave. O crime organizado se fortaleceu e sua infiltração em estruturas estatais país afora se consolidou após quatro anos de um governo de extrema direita —que incitou a violência e a politização das polícias como mercadoria eleitoral, além de enfraquecer as regras de controle de armas e alimentar o arsenal do crime– e deixou discípulos.
Em 2018, os gritos de ordem da multidão no centro do Rio pediam o fim da Polícia Militar. Mas, infelizmente, não há bala de prata. Para resolver a ineficiência e a falência de um sistema de segurança pública, que ainda não opera dentro dos princípios e regras democráticas, é preciso ir muito além da já árdua tarefa de modernizar as polícias, aumentar a eficiência e a transparência do sistema de Justiça e reformar o sistema penitenciário –que, em conjunto, têm falhado repetidamente.
Envolver muitos outros órgãos do Estado é urgente, a começar por aqueles responsáveis pelas políticas de prevenção que atuam nas causas da violência, o Ministério Público –que precisa assumir seu papel de fiscalização das polícias, e os órgãos de polícia administrativa. É crucial também que se priorize a investigação e esclarecimento dos crimes violentos, o combate à corrupção, a descapitalização do crime organizado, o controle de armas eficiente, uma política de drogas muito mais inteligente e um sistema carcerário que não seja o QG e o provedor de mão de obra para o crime organizado.
Isso só será possível se o Governo Federal assumir a liderança e o Judiciário entender e assumir a sua responsabilidade.
Se, em um momento de ataque à democracia, a pergunta "quem matou Marielle?" virou ato de resistência, a resposta pode se tornar um marco para a sociedade brasileira confrontar a forma como se relaciona com a proteção de seus cidadãos.
É fundamental que se implemente uma política de segurança pública de longo prazo como pilar do Estado democrático de Direito, o que significa também investir contra o medo. Segurança rende e tira muitos votos. Uma sociedade amedrontada é alvo fácil da desinformação, da manipulação e das falsas soluções.
As soluções, verdadeiras, existem. Muita coisa já foi estudada, testada, aprovada, aqui e no mundo inteiro. Não tem atalho –é preciso implementar as medidas, monitorar e avaliar os resultados, ajustar os rumos e garantir a continuidade nesse caminho.
Naquele triste dia de março, nas escadarias da Alerj, ficou claro que a sociedade precisa se apropriar dessas soluções para tirar o que por décadas foi varrido para debaixo do tapete e levantado por Marielle com seu assassinato. O desfecho do crime escancara o ponto de inflexão atual: ou extirpamos o crime organizado e damos um basta à violência ou aceitamos viver com medo em um Estado criminoso. A decisão está em nossas mãos.
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