"Quando uma mulher nasce na Amazônia, nasce uma defensora". Essa frase de Claudelice Santos, ativista de direitos humanos e do meio ambiente do estado do Pará, retrata a realidade muitas vezes despercebida até mesmo para as próprias mulheres que dedicam suas vidas para defender seu território, seu modo de vida e suas comunidades.
Na Amazônia, mulheres que estão na linha de frente do combate à exploração ilegal dos recursos naturais da floresta, à invasão de terras e à expropriação de populações sofrem violências que vão muito além de seus corpos. Com Claudelice não foi diferente. Hoje, ela coordena o Instituto Zé Claudio e Maria, organização de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente que leva o nome do seu irmão e de sua cunhada, assassinados em 24 de maio de 2011 por defenderem a floresta em pé.
O problema começa na própria invisibilidade dos diferentes conflitos presentes na Amazônia. E se agrava quando as violências e agressões contra as mulheres à frente dessas lutas muitas vezes são tão naturalizadas que algumas delas sequer se reconhecem como defensoras.
Essa constatação veio de um estudo de 2021 que deu origem a uma pesquisa mais ampla, desenvolvida em parceria do Instituto Igarapé com 13 defensoras indígenas, quilombolas e ribeirinhas da Amazônia brasileira, colombiana e peruana. O grupo, composto por defensoras reconhecidas, como Angela Mendes, filha e herdeira de Chico Mendes, o líder seringueiro assassinado em 1988, Elizângela Baré, líder indígena do Alto Rio Negro, e a própria Claudelice, trabalhou com o Igarapé para trazer à luz dados mais próximos da realidade dessa violência.
A pesquisa recém-lançada escutou 287 defensoras da bacia amazônica com o objetivo de mapear quem elas são, onde estão e quais os riscos que correm e provocar os sistemas de proteção a mirarem na questão de gênero para serem mais efetivos. Um outro objetivo da parceria é promover o reconhecimento das defensoras e a geração de renda. A maioria das mulheres dos três países pesquisados (67% no Brasil, 57% na Colômbia e 83% no Peru) não é remunerada por sua atuação como defensora, o que por si só já é uma violência e as coloca em vulnerabilidade.
A partir das entrevistas, foram mapeados 19 tipos de violência, e os resultados revelam que 47% delas foram vítimas de algum tipo de violência entre 2021 e 2022. A violência psicológica aparece como a mais citada nos três países: 28% das respostas no Brasil, 30% na Colômbia e 42% no Peru.
No Brasil, chama a atenção o percentual de respostas (16%), acima dos demais países, que aponta proprietários de terras, fazendeiros, grileiros e posseiros como seus perpetradores. Também foi o país em que houve a maior parcela de citações (43%) a "meios eletrônicos", que incluem as mídias sociais, como instrumentos de violência.
No momento em que a proteção da floresta amazônica está no centro da política pública nacional e na pauta ambiental e climática global, é preciso que se tenha clareza de que, para proteger a Amazônia, precisamos começar protegendo as meninas e mulheres que lá estão. E essa não é uma prioridade restrita ao bioma em questão. E tampouco pode gerar comoção somente quando acontecem casos como o da Mãe Bernadete, líder quilombola assassinada brutal e covardemente na Bahia.
Para além dos dados da pesquisa, infelizmente nos chegam relatos em primeira pessoa e pedidos de ajuda recorrentes. O sentimento de impotência e a preocupação precisam dar lugar à ação coordenada e eficaz. Já passou da hora de criarmos políticas públicas de proteção efetivas, com amplo apoio da sociedade.
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