Escrevo esta coluna de Sharm El-Sheikh, no Egito, mergulhada na intensa agenda de negociações, reuniões e eventos públicos da COP27. Enquanto espera a presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva —certamente a maior novidade política este ano e o catalisador do reengajamento brasileiro nas discussões e decisões globais referentes à pauta climática— a cúpula do clima ocorre sob a sombra de múltiplas crises.
Uma destas crises ainda não ganhou a relevância que demanda: a migração de milhões de pessoas em função das mudanças climáticas e do deslocamento provocado por desastres. Ela tem o potencial de desafiar a governança de Estados e desencadear reações políticas em massa, incluindo o populismo, para além dos amplos custos sociais e econômicos. E está conectada com muitas outras, como a guerra russo-ucraniana, a persistente pandemia da Covid-19 e, obviamente, a emergência climática.
Esta é uma crise de efeitos múltiplos, profundos e desafiadores, e com uma resposta global ainda muito tímida e de curto prazo. É o que tentamos alertar na publicação "No Place to Run", primeira de uma nova série de boletins estratégicos do Instituto Igarapé chamada Global Futures Bulletin (Futuros Globais).
O documento lançado na COP27 destaca as imbricadas relações entre mudanças climáticas, vulnerabilidade social e econômica e padrões de migração e deslocamento. E também propõe planejamento para lidar com crises futuras, já possíveis de serem previstas por análises e predições científicas.
Como alertamos no boletim e nas conversas aqui no Egito, o investimento público e privado na adaptação e mitigação do clima ainda está muito abaixo do necessário. Se cerca de 60 milhões de pessoas já foram deslocadas em função das mudanças climáticas em todo o mundo em 2021, superando o deslocamento devido a conflitos armados, a previsão é que até 2050 outra leva gigantesca enfrente pressão para migrarem: algo entre 200 milhões e 1,2 bilhão de pessoas, principalmente a população de baixa renda em situação de maior vulnerabilidade.
O relatório ressalta a relação entre as agendas de clima e de paz e segurança, uma combinação que deveria preocupar igualmente governos, empresas, organismos multilaterais e sociedade civil organizada em todo mundo. De um lado, mudanças climáticas agravam a insegurança alimentar, os fluxos migratórios e os conflitos. De outro, o ecossistema de crimes ambientais causa danos a florestas, à biodiversidade e a populações, acelerando assim o aquecimento global.
"No Place to Run" chama a atenção para um ponto essencial: emergências climáticas exigem que certas prioridades políticas sejam repensadas. Hoje o foco está muito mais na gestão da migração e do deslocamento em larga escala, quando poderíamos estar reforçando e fortalecendo mecanismos de adaptação, preparação e resiliência de populações vulnerabilizadas pelas mudanças climáticas nos níveis regional, nacional e local. Isso inclui sistemas de alerta precoces, soluções baseadas na natureza e a promoção da resiliência às comunidades em risco.
Ações preventivas significarão um custo muito menor do que a inação, e a esta tarefa estão convocados desde governos nacionais e subnacionais, responsáveis pela implementação de soluções, até o setor privado, incluindo investidores, fundos de pensão e companhias de seguro, parceiros essenciais nessa agenda.
Crises globais como essa, assim como o exemplo recente da pandemia da Covid-19, aumentam a interdependência entre países, o que requer também a urgência de um novo multilateralismo em rede, mais eficiente e mais conectado com a necessidade das pessoas. A emergência demanda novas e amplas coalizões, novos pactos entre cidadãos e governantes, reforço da solidariedade e da ação conjunta de toda a sociedade.
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