Chegamos a mais um 8 de março e ainda somos obrigadas a conviver com demonstrações deploráveis de machismo de parcela da população, que trata mulheres como objetos descartáveis e explora suas vulnerabilidades da forma mais covarde e vil. Os áudios de um deputado estadual de São Paulo sobre refugiadas da Ucrânia mostram o que há de pior em nossa sociedade.
Por conta do meu trabalho, acompanho com dor, e com um terrível sentimento de impotência, a situação de mulheres em contextos de guerras e conflitos mundo afora. Sobre as falas do tal deputado —que jamais deveria se candidatar a um cargo eletivo, pois não tem a menor ideia do que é servir ao interesse público— sinto-me contemplada pela carta do jornalista Jamil Chade sobre a condição feminina na guerra e na paz, endereçada a ele.
Aproveito então para reforçar a urgência em se proteger as mulheres das inúmeras violências que enfrentam em áreas urbanas e rurais. Chamo atenção especial para as que estão na linha de frente lutando por direitos, sejam eles políticos, humanos ou ambientais, que têm sido intimidadas, ameaçadas e assassinadas por defender as questões mais relevantes para a consolidação da democracia em nosso país.
No Brasil, a situação é ainda mais alarmante nos estados da Amazônia Legal, que representam quase 60% do território brasileiro e onde vivem mais de 14 milhões de mulheres. Segundo o Sistema Único de Saúde, entre 2012 e 2019 ocorreram mais de 80 mil casos de violência contra mulheres na região. Somente no ano passado, 1.398 mulheres foram mortas na região, de acordo com os números das secretarias estaduais de segurança.
A violência contra mulheres na Amazônia tem particularidades importantes —decorre de uma ocupação historicamente violenta que favorece uma arraigada cultura machista. Com frequência, nem mesmo as mulheres vítimas se dão conta de que os abusos que sofrem são violências, ou mesmo crimes. A subnotificação que é a regra, e não exceção no Brasil, é ainda mais grave na região. É fundamental, portanto, apoiá-las e ajudá-las a desnormalizar o seu próprio sofrimento.
Mulheres ativistas por vezes não se reconhecem como defensoras de direitos ou operadoras de mudanças sociais e podem não ter a dimensão do risco maior que correm de sofrer violência física, por exemplo. Elas também enfrentam dificuldades para acessar programas de proteção e sua atuação na defesa de direitos coletivos não as protege no âmbito doméstico, onde também podem ser vítimas de violências, incluindo a violência sexual e o incesto.
Uma recente pesquisa mostra que oito em cada dez mulheres defensoras da floresta já sofreram algum tipo de violência, incluindo ameaças, agressões ou violência psicológica. Mais da metade das vítimas são mulheres negras e pardas. Boa parte delas é indígena. E para buscar soluções para essa inaceitável questão, a violência contra mulheres indígenas será o primeiro tema a ser tratado na nova temporada do podcast "Você Pode Mudar o Mundo", que começa na semana que vem.
Em parceria com a plataforma EVA - Evidências sobre Violências e Alternativas para Meninas e Mulheres, as entrevistas trazem casos concretos sobre cinco tipos de violência: aquela cometida contra mulheres indígenas, a violência política, a violência on-line, a violência contra mulheres do campo, e a violência armada nas grandes cidades —que afeta sobremaneira as mulheres negras.
Cada vez mais, mulheres estão à frente das transformações sociais que garantirão o futuro. De uma vez por todas, precisam exercer seus direitos e liberdades em segurança. Vencer a violência contra a mulher deve ser uma guerra de todos. Todos os dias.
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