A intensidade dos ataques à democracia e às instituições ganhou contornos ainda mais graves nas últimas semanas. As ameaças do presidente Jair Bolsonaro de que não haveria eleições mostram mais do que uma aposta na fragilização da democracia e o medo de sair derrotado das urnas.
A rejeição da PEC do voto impresso na Câmara não põe fim à batalha contra a confiabilidade do sistema eleitoral. Mesmo após a derrota, o presidente segue atribuindo a uma fraude orquestrada por seus inimigos uma possível vitória de qualquer um que não ele nas eleições de 2022.
O discurso belicoso e a atribuição de resultados de eleições passadas a supostas fraudes nas urnas ecoa nas redes e se espalha feito vírus na epidemia da desinformação, contra a qual ainda não temos vacina. E a disseminação de teorias conspiratórias e a circulação deliberada de notícias falsas, ou retiradas de contexto, geram desconfiança e deslegitimam o debate racional.
Chegamos a um novo tipo de autoritarismo que ataca os pilares e as bases de proteção da democracia, assim como a Constituição. Autores como Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, Yascha Mounk, e tantos outros, têm chamado atenção para os métodos usados por populistas-autoritários para minar as democracias por dentro mundo afora. O cientista político polonês Adam Przeworski complementa as análises ao escrever sobre o “autoritarismo furtivo”, que ocorre quando governantes incapacitam possíveis resistências, incluindo partidos de oposição, o sistema judicial, a mídia e a sociedade civil.
O presidente Jair Bolsonaro é um dos líderes que melhor exemplificam esse autoritarismo 2.0. Não é de hoje que ele tenta aparelhar as principais instituições da República, incluindo órgãos de investigação e fiscalização, sendo inclusive investigado no Supremo por suposta interferência na Polícia Federal, para blindar seu projeto autoritário.
Nomeações e exonerações descabidas subverteram mandatos de instituições e esvaziaram postos chaves. O critério de capacidade técnica deu lugar à fidelidade cega a um projeto que nada constrói, e cujo único objetivo é destruir o sistema de freios e contrapesos da democracia e instalar uma autocracia fisiológica.
É verdade que há reações por parte da sociedade e das instituições. No Congresso, a Câmara rejeitou a PEC do voto impresso, enquanto o Senado aprovou a revogação da Lei de Segurança Nacional. O TSE abriu uma investigação administrativa que, potencialmente, pode impedir Bolsonaro de concorrer em 2022.
Já o ministro Alexandre de Moraes, do STF, incluiu o presidente como investigado no inquérito das fake news, que pode resultar na abertura de ação penal se, após reunidas as provas, o procurador-geral da República cumprir seu papel e apresentar a denúncia. Mas como retaliação, o presidente ameaçou atuar fora das “quatro linhas da Constituição” e protocolou um pedido de impeachment do próprio ministro.
Por sua vez, o Fórum de Governadores em encontro que discutiu a defesa da democracia e os perigos do crescente uso político das polícias, chamou uma reunião de todos os poderes para tentar uma trégua antes dos atos antidemocráticos de 7 de setembro —convocados pelo presidente e seus principais aliados.
Mas já passou da hora de alimentar ilusões. Não haverá trégua ou mudança de comportamento por parte do chefe do governo federal e de seus aliados reacionários. A tolerância com os constantes ataques à democracia consolida a impunidade dos que conspiram contra ela, e nos leva ao caminho de sua ruptura.
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