O presidente Jair Bolsonaro e seu núcleo ideológico não são tão fãs dos Estados Unidos, mas do seu descreditado ex-presidente, Donald Trump, e das ideias da extrema direita que o levaram ao poder. Sua adoração explícita limita-se a uma ala conspiratória e populista da política americana. Encontrarão pouco em comum com o presidente Joe Biden, eleito com 84 milhões de votos —mais do que qualquer outro na história—, e sua posição liberal e moderada que valoriza a igualdade, a justiça social, e o papel do Estado na obtenção desses objetivos.
A defesa da democracia e a união de uma sociedade polarizada voltam a ser eixo central do mandato do novo presidente, que se afasta por completo da cartilha populista e reacionária de Trump, a qual Jair Bolsonaro ainda segue à risca. E mesmo ainda estando o Brasil sob o jugo de um governo perigoso, ao olharmos hoje para os Estados Unidos, talvez possamos considerar algumas das prioridades do novo governo.
A primeira delas é justamente o apelo à unidade. Apesar das significativas e legítimas queixas do Partido Democrata contra o Partido Republicano, que se deixou contaminar por um líder tão incompetente e egoísta como Trump, o que vemos de Biden é um clamor elegante por perdão e diálogo, porque ele sabe que essa é a única maneira de fazer um país dividido e polarizado avançar.
O segundo insight é o compromisso com uma agenda progressista com base na ciência, voltada para a recuperação econômica e a proteção dos mais vulneráveis. Biden começou a colocar essa agenda em prática antes mesmo de sua posse, e no dia que assumiu seu mandato, reverteu ações irresponsáveis do governo anterior, editou protocolos para o controle da pandemia e propôs um pacote econômico de US$ 1,9 trilhão.
O presidente colocou ênfase na vacinação contra a Covid-19, que já custou mais de 400 mil vidas aos Estados Unidos, readeriu ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e anunciou medidas para aliviar a fome, em especial da população negra, latina e dos brancos pobres, além de diferentes estímulos para indivíduos e setores que sofrem com as consequências da pandemia.
A terceira lição é a revitalização do soft power da cultura. A posse de Biden e Kamala Harris celebrou a extraordinária tapeçaria de formas culturais do país, com o cuidado de representar diferentes gerações e a diversidade que é a força de uma sociedade. A sensação de quem assistiu foi que, pela primeira vez em quatro anos, a maioria dos americanos se sentiu representada. E essa ode à cultura expõe o quão equivocada é a estratégia de líderes populistas que perseguem artistas.
E a quarta é o resgate explícito dos direitos humanos em casa e no exterior. Biden ordenou a reunificação das crianças que foram separadas de seus pais e presas ao cruzar a fronteira americana com as suas famílias. O presidente também prometeu suspender a proibição de entrada nos Estados Unidos de pessoas de países majoritariamente muçulmanos e ofereceu caminhos para a obtenção da cidadania americana para imigrantes ilegais.
Essas prioridades, acima de tudo, mostram o quão importante é ter ações que buscam responder aos imensos desafios que nossas sociedades enfrentam, de forma rápida, com base no conhecimento atual e nos direitos constitucionais. Não atendem apenas aos interesses das elites ou dos liberais de sua base, mas também aos daqueles que foram deixados para trás, e dos que não votaram nele. É de se esperar que o próximo líder do Brasil se inspire no vizinho do norte e nos apresente com rapidez e responsabilidade as propostas ambiciosas que reposicionem o país do lado certo da história.
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