Apesar de matar mais homens, a pandemia da Covid-19 parece impactar sobremaneira as mulheres. Seja nas equipes de saúde na batalha contra o coronavírus, ou em casa, com a tripla jornada que envolve trabalho remoto, tarefas domésticas e cuidado dos filhos —o que se agrava quando companheiros viram agressores.
Ao redor do mundo, foram inúmeras as notícias sobre o aumento da violência doméstica face ao isolamento social, uma vez que é no interior dos lares e pelas mãos de pessoas conhecidas que elas são agredidas. Isso impõe desafios extras em um contexto de pandemia, isolamento e aumento da convivência. Evidências já apontaram aumento de comportamentos violentos durante outras pandemias como o ebola, a gripe suína e a H1N1.
Ao mesmo tempo que aumentam as violências contra mulheres e crianças, diminuem as oportunidades de denúncia e atendimento, na medida em que vítimas têm dificuldade de procurar delegacias, serviços de atenção e redes de apoio.
O Instituto Igarapé publicou uma análise sobre a violência no período que mostra uma alarmante queda de 22% no registro de todos os tipos de violência contra mulheres durante o isolamento social, entre março e junho de 2020. Ainda que esse registro tenha voltado a subir a partir da flexibilização das medidas de distanciamento social, em junho de 2020, as notificações ainda não chegaram aos patamares anteriores à pandemia. A exceção foi o crime mais grave e difícil de esconder: o feminicídio, que apresentou um aumento de 16% entre março e junho de 2020 se comparado ao mesmo período de 2019.
A constatação de queda nos registros não significa que houve diminuição na incidência da violência. Outros indicadores, como as chamadas ao 180, mostram um aumento de 26% nas ligações ao serviço de atendimento à mulher em função da violência doméstica. Como o feminicídio é usualmente precedido por uma série de outras violências, o aumento de pedidos de ajuda são um grave sinal de alerta. Todos os estados brasileiros apresentaram aumentos, à exceção de Mato Grosso do Sul.
O desafio, agora, é aumentar os canais de escuta para receber denúncias e as redes de proteção para apoiar mulheres em situação de violência, para que ao denunciar, sejam respaldadas pelo Estado. Serviços que deem conta também de reverter o impacto do dano físico e mental característicos das violências, e agravado pelo isolamento social, são fundamentais.
A violência contra a mulher é a ponta de um imenso iceberg que esconde inúmeros outros desafios. No âmbito econômico, por exemplo, mulheres são, ainda, a maioria no mercado informal de trabalho. Em um contexto de isolamento social, isso as impede de trabalhar ou as coloca em vulnerabilidade à Covid-19 pela necessidade de sair, dada a responsabilidade pelo sustento próprio e dos seus.
A essa questão somam-se o acúmulo de funções no âmbito doméstico, o cuidado com os filhos e com a casa, o que incorre na perda de produtividade colocando em risco sua carreira profissional. A insegurança alimentar também as afetou de forma desproporcional. Há, também, interrupções em serviços essenciais para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres, como o acesso a serviços médicos, contraceptivos e ao aborto legal.
Esses são apenas alguns dos inúmeros desafios pré-existentes à pandemia relacionados à desigualdade de gênero e que foram intensificados com a crise de saúde que afetou o mundo. A violência baseada em gênero, inclusive, é resultado dessa desigualdade. Precisamos trabalhar com urgência e em conjunto para diminuí-la.
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