Henrique Gomes

Físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando em filosofia na Universidade Cambridge.

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Vídeos de óvnis estão longe de provar visita de ETs à Terra

Pentágono admitiu que gravações foram feitas por pilotos americanos, mas o pronunciamento significa pouca coisa

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De tempos em tempos, a possibilidade de contato com inteligência extraterrestre cria um certo frisson aqui entre nós, terráqueos. O atual frisson começou no final de abril, quando o Pentágono admitiu que uma porção de videos que já circulavam na internet há muitos anos (alguns desde 2004) eram legítimos.

Em maio, o famoso programa americano 60 Minutes da CBS ressaltava que óvnis (objetos voadores não Identificados) são regularmente detectados em espaço aéreo restrito dos EUA”. Há alguns dias, uma reportagem do jornal The New York Times estampou: “Os EUA não encontram evidências de tecnologia alienígena em objetos voadores, mas também não podem descartá-la”.

E então, de tempos em tempos, céticos como eu também saem de suas tocas para reanalisar as evidências, mas a conclusão é sempre a mesma: a chance de termos sido visitados por outras civilizações tecnológicas é minúscula.

Deixe-me explicar.

Em primeiro lugar: a admissão do Pentágono só significa que os videos realmente vieram de câmeras em suas aeronaves. Isso significa que não foram criados no computador de algum aficcionado, os chamados ufólogos, morando no porão da casa de seus pais.

Os videos em questão mostram, invariavelmente, borrões (cada video tem um tipo de borrão diferente), se movimentando de forma pouco natural. Por pouco natural, eu quero dizer que, à primeira vista, se interpretado como sendo devido à espaçonaves, o movimento não parece ser devido a nenhuma tecnologia que conhecemos.

Mas fica fácil interpretar o video se alargarmos o universo de suas possíveis explicações. Como os próprios ufólogos admitem, a grande maioria dos avistamentos oficiais pode ser descartada. Segundo uma renomada ufóloga, 90 a 95% desses avistamentos são devidos a “balões meteorológicos, aviões voando em formação, aeronaves militares secretas, pássaros refletindo o Sol, aviões refletindo o Sol, dirigíveis, helicópteros, os planetas Vênus ou Marte, meteoros ou meteoritos, lixo espacial, satélites [...], cristais de gelo, luz refletida de nuvens, luzes no solo ou luzes refletidas em uma janela de cockpit, inversões de temperatura, nuvens perfuradas e a lista continua!”

No caso desses últimos videos, uma análise minuciosa foi realizada por Mick West, expert em computação gráfica, apresentador do site Metabunk.org e do podcast "Tales from the Rabbit Hole" e colunista da revista Skeptic.

Cena da série "Óvnis: Investigação Secreta"
Cena da série "Óvnis: Investigação Secreta" - Divulgação

Segundo West, as causas mais plausíveis das imagens variam: em um vídeo o borrão parece ter vindo do brilho do jato (muito provavelmente) de um caça F-18 se afastando de uma câmera, que também está em movimento. Ao estabilizar a câmera, e levar em conta a paralaxe, a imagem fica mais facilmente reconhecível.

Em outro vídeo, em que um dos objetos parece desaparecer de um fundo homogêneo em uma velocidade impossível, West nota no canto da imagem que a indicação do zoom simultaneamente duplica. Por aí vai: outras explicações desse mesmo teor, plausíveis e naturais uma vez que as consideremos, são levantadas para cada vídeo.

Mas e se não tivéssemos tido alguém como West, disposto a devotar seu tempo para uma análise minuciosa e cética das imagens? Caberia acreditar que foram causadas por tecnologia alienígena? Não, porque essa seria só uma entre incontáveis outras possíveis explicações, ainda não concebidas, talvez, mas mais mundanas.

Por definição, explicações ordinárias são mais prováveis, e isto é independente de as conhecermos em detalhe, de sabermos qual é a explicação específica ou não. Em outras palavras, a mera existência de uma míriade de outras explicações possíveis e mundanas —mas talvez não imaginadas, pela falta de alguém esperto e diligente o suficiente para as descobrir— deveria nos levar a atribuir grande chance de que o fenômeno a nossa frente é devido a uma delas. É por esse motivo que o lendário divulgador científico Carl Sagan não cansava de pregar: “Afirmações extraordinárias requerem evidência extraordinária”.

Devemos ler os pronunciamentos de um dado orgão do governo, dos militares ou da Nasa com um dicionário apropriado, pois dizer que uma possibilidade continua aberta pode significar muita ou pouca coisa, dependendo de quem o diz. Para uma visão científica, como a de um membro da Nasa, significa pouca coisa.

Se não é possível desprovar conclusivamente a origem de algum desses borrões, o cauteloso cientista declara ainda aberta a possibilidade daquela origem, por mais improvável que seja. Ainda assim, como expliquei acima, devemos atribuir uma probabilidade minúscula a possibilidades extraordinárias, só mudando de opinião com evidências incontrovertíveis, e não só ainda não explicadas.

Além da possibilidade de contato ser extraordinária no sentido simples da palavra (de ser extramamente incomum), há também bons argumentos para diminuir ainda mais sua chance. Como eu mesmo já escrevi, encontrar evidência de vida extraterrestre inteligente requer que nossas civilizações se cruzem em ambas as dimensões, de espaço e de tempo.

Ambas são enormes, e uma expectativa de vida finita de uma civilização diminuiria a chance de encontro significativamente, ainda mais levando em conta os limites impostos pela física à velocidade de viagens interestelares. Como se isso não fosse o suficiente, os passos que levam da emergência da vida à emergência de tecnologia são enormes e extremamente improváveis.

Mas e os relatos em primeira pessoa? Relatos de visitantes do espaço existem desde que o mundo é mundo. Nos anos 1890, por exemplo, houve uma grande onda de avistamentos, que foi mais tarde reconhecida como sendo advinda não de aeronaves alienígenas, mas de dirigíveis.

Esses e muitos outros exemplos ilustram como a nossa percepção biológica é falha. Na verdade, "relatos em primeira pessoa" são o pior tipo de evidência possível. Nosso aparato cognitivo está sujeito a inumeros tipos de ilusões, pois ele continuamente impõe uma interpretação sobre as imagens pouco usuais, uma interpretação que está fora do nosso controle e pode ser influenciada por diversos fatores (ver pareidolia ou apofenia).

Daí o slogan criado pelo neurocientista cognitivo de visão Ramesh Jain: "A percepção é uma alucinação controlada". Tirando esse tipo de relatos, há pouquíssima evidência de qualidade. Como Elon Musk ressaltou recentemente, apesar da incrível evolução na resolução de câmeras no último século, as mais recentes evidências de contato alienígena continuam tão borradas quanto as primeiras.

Com tanta gente viajando de avião e todos armados de celulares com câmeras poderosas, porque não temos um único vídeo que mostre uma única nave espacial alienígena em alta definição? Por que tantos videos de borrões em baixa definição?

A pergunta está de ponta-cabeça. A "evidência" que emerge de tecnologia alienígena está naquela zona cinzenta ideal: definida o suficiente para ser tentadora, mas nunca o suficiente para identificar positivamente o que está sendo visto. Por que todos os vídeos de óvnis são borrados? Bom, por conta de uma seleção natural: aquelas imagens que estão com foco são identificadas e são mundanas.

A conclusão é óbvia: óvnis são não identificados não porque são alienígenas, mas porque estão borrados. Não identificados, sim, extraterrestres, não.

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