Thiago Amparo ("Pornografia infantil não é ficção", 8/2) não gostou da minha última coluna, o que mostra que é perigosamente real meu receio de que o moralismo esteja derrotando o utilitarismo. Ora, se até um jovem e brilhante professor de direito, que faz parte do campo dos ditos progressistas, defende criminalizar e punir com penas de reclusão pessoas cuja conduta não incluiu atos de violência, então o minimalismo penal pelo qual sempre advoguei —uma das mais generosas ideias já surgidas no direito—, está mesmo em maus lençóis.
Amparo parece pensar que precisamos proteger não apenas crianças e adolescentes de agressões sexuais reais (até aqui eu fecho com ele) mas também a própria ideia de infância (aqui não fecho mais), que não poderia ser submetida a uma putativa normalização do sexo. É esse raciocínio, bem essencialista, que justifica tornar crime a simples representação gráfica de crianças e adolescentes em cenas de sexo explícito, mesmo que se trate de imagens geradas por computador (sem a utilização de nenhum ator mirim) ou até de histórias em quadrinhos, isto é, de desenhos. Egon Schiele que se cuide.
Mas, se estamos defendendo a própria infância do mal, por que parar em imagens? A coerência exige estender o mesmo veto a palavras. Aí teríamos de censurar autores consagrados, como Apollinaire ("As 11 Mil Varas"), Nabokov ("Lolita") e até Shakespeare. O doce cisne de Avon, afinal, põe uma garota de 13 anos, Julieta, para fazer sexo com um jovem de idade indeterminada, Romeu, possivelmente um estupro presumido.
Não é preciso muita imaginação para perceber que disposições dessa natureza violam não só a liberdade de expressão como também a de criação artística. E pornografia é arte, uma arte sem tanto prestígio social, mas ainda assim arte. São pessoas imaginando histórias e as contando para elidir reações do público.
O problema com concepções essencialistas de justiça é que elas estão sempre a um passo do fanatismo.
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