Na pequena guerra aberta entre Legislativo e STF, ambos os lados estão certos e, portanto, também errados.
É claro que o Supremo não pode legislar. O Poder incumbido de fazê-lo chama-se, não por acaso, Legislativo. Mas a corte tem legitimidade para anular leis que considere inconstitucionais e para modular seus efeitos recorrendo ao princípio da proporcionalidade. Assim, se o STF vier a descriminalizar o porte de pequenas quantidades de maconha e o aborto no primeiro trimestre da gravidez estará dentro de suas atribuições. Vários tribunais constitucionais mundo afora já fizeram isso.
Daí se segue que o Supremo nunca legislou? Infelizmente, não. O tribunal avançou o sinal há pouco, quando transformou a homotransfobia em crime. Cortes constitucionais têm razoável maleabilidade para desfazer tipos penais, mas nenhuma para criá-los. Só quem pode fazê-lo é o Legislativo.
O Parlamento não se sai muito melhor nas medidas retaliatórias que ensaia aprovar. A ideia de reservar para si o direito de anular decisões do STF que julgue inconstitucionais é absurda e atentaria perigosamente contra o equilíbrio dos Poderes. Já a proposta de criar mandatos fixos para futuros ministros, apesar de ter ferido suscetibilidades na corte, é algo que pode perfeitamente ser discutido.
Reduzir os poderes monocráticos dos magistrados e disciplinar os pedidos de vista é uma necessidade. O Legislativo pode e deve abordar essas questões. Só que o Supremo acaba de alterar seu regimento para tratar disso. A elegância exigiria que essas mudanças fossem testadas antes de os parlamentares baixarem seu pacote de regras. Mas, lamentavelmente, a elegância foi a primeira vítima dessa guerra.
A autocontenção é a chave para evitar que a crise ganhe escala. O STF precisa usar de inteligência política para não parecer que extrapola suas competências; os legisladores devem evitar as propostas muito exuberantes.
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