Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Onde estão as biografias dos nossos ídolos?

Brasil padece não apenas de falta de memória, mas da falta de escrita

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Em 5 de maio passado, o cantor Chitãozinho, da célebre dupla com Xororó, completou 70 anos. A data redonda passou em branco na imprensa brasileira e mesmo na internet. O cantor faz parte da grande quantidade de artistas que, passados sete décadas de vida, ainda não ganharam uma biografia de respeito no mercado editorial brasileiro.

A dupla Chitãozinho & Xororó - Bob Paulino - 11.dez.2023/Globo

Um país semiletrado, o Brasil se acostumou com a mediocridade literária que fica ainda mais visível no campo das biografias. Se Chitãozinho fosse americano, com certeza sua vida pessoal e artística já teria sido esmiuçada a fundo por um biógrafo competente e, possivelmente, teria mais de uma biografia publicada.

A dupla Chitãozinho & Xororó até tem uma obra que conta a sua trajetória, intitulada "Nascemos para Cantar", lançada em 2002 por Ana Lúcia Neiva. Mas se trata de livro autorizado, adulatório, sem a independência e densidades necessárias a uma boa biografia.

Não se trata de fenômeno exclusivo da música. Há grandes personalidades da vida pública brasileira com mais de 70 anos que merecem biografias por sua representatividade histórica, e tampouco despertam interesse de escritores e editores. A começar pelos ex-presidentes do Brasil. Se Lula, Itamar, Dilma e Sarney já foram biografados, a mesma sorte não tiveram Collor, FHC e Temer. Será possível entender a história recente do Brasil com tamanha lacuna?

Outros nomes da política também deveriam ser biografados. É o caso de Paulo Maluf, ex-prefeito e governador de São Paulo, grande nome da política nacional que chegou a ser candidato a presidente como herdeiro da ditadura. Enquanto não houver pesquisador sério a disputar a escrita sobre Maluf, ele limpa sua barra no mercado editorial brasileiro com um livro assinado por si mesmo intitulado "Ele: Maluf, Trajetória da Audácia". Haja autoadulação!

Emerson Fittipaldi, de 77 anos, um gigante do esporte nacional, tampouco tem uma biografia isenta, feita por um pesquisador sério. O que há são relatos autobiográficos e depoimentos publicados ao longo dos anos. Mas trabalho consistente de pesquisa que relacione a vida de nosso campeão à história do Brasil, nada. O foco exagerado em Ayrton Senna apagou o interesse na vida de Fittipaldi e também de nosso outro tricampeão da Fórmula 1, Nelson Piquet, de 71 anos, desprestigiado de biografias sérias.

Na letrada MPB, em que as letras das canções são tão valorizadas, há lacunas lamentáveis no campo da escrita biográfica. Recentemente foi lançado "Pelas Ruas que Andei", uma biografia de Alceu Valença de autoria de Julio Moura. Mas onde estão as biografias de Djavan, Elba Ramalho, Simone, Ivan Lins, Sérgio Dias, Liminha, Baby do Brasil, Moraes Moreira, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Pepeu Gomes, Lulu Santos, Fábio Jr., Odair José e Maria Bethânia?

Este ano foi lançado o livro "Quebra Tudo! A Arte Livre de Hermeto Pascoal", escrita por Vitor Nuzzi, sobre o célebre músico de vanguarda de 87 anos. Mas cadê as biografias aprofundadas de Edu Lobo, Marcos Valle, Toquinho, Jards Macalé, Paulinho da Viola, Benito di Paula, Jorge Ben, Alcione e Tony Tornado? Todos estes artistas têm mais de 70 anos e nenhuma biografia séria escrita ainda.

Eloquente é o caso de Chico Buarque. No próximo dia 19 de junho ele completará 80 anos sem ter uma biografia de peso escrita. Há alguns perfis do artista, como os dois livros escritos pela escritora Regina Zappa, muito complacentes e endeusadores do compositor, sem nenhum distanciamento crítico.

Neste ano o escritor Tom Cardoso publicou "Trocando em Miúdos: Seis Vezes Chico". É um trabalho louvável que se soma à grande quantidade de estudos temáticos sobre a trajetória do gênio musical. Mas a vida de Chico ainda pede mais, merece uma biografia crítica, que junte sua obra e vida pessoal no tamanho que ela tem na história do Brasil.

Belchior só ganhou suas primeiras biografias depois de morto. Entre elas a ótima "Viver É Melhor que Sonhar", escrita por Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti, publicada em 2021, quatro anos após a sua morte. Esperaremos nossos ídolos morrerem para escrever sobre eles? A maior parte continua aí, viva e bem de saúde, na ativa e com boa memória. Não há tempo a perder.

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