De tempos em tempos sou entrevistado por jornalistas e a pauta quase sempre é a mesma: por que os sertanejos são "bolsominions" reacionários e ponta de lança cultural do agronegócio?
É preciso parar de tratar a música sertaneja em bloco, como se nela fossem todos iguais. Essa massificação da crítica não só impede o conhecimento de nosso problema político como também empurra os sertanejos para um posicionamento reativo em relação à "mídia", que parece não ter muito tato e mediação para tratar do tema.
A música sertaneja é diversa politicamente. Há artistas radicais como Sérgio Reis, que defendeu abertamente o fechamento do STF. Há outros, como Zezé Di Camargo, que foi favorável à campanha pelo armamento, mas não deu declarações golpistas até agora.
Há aqueles que se decepcionaram com o presidente. O cantor Eduardo Costa gravou a música "Cuidado" em 2021, uma crítica contundente ao governo Bolsonaro na pandemia: "Cuidado que eles passam/ Só de quatro em quatro anos/", "Depois o povo morre/ Em corredor de hospital".
Há também aquelas que se posicionaram contra o machismo presidencial, como a cantora Marília Mendonça, morta em novembro de 2021, que participou da campanha #EleNão em 2018.
Em 10 de setembro de 2020 a cantora Roberta Miranda publicou um protesto: "Gente, a cesta básica [está] mais cara! Pelo amor de Deus! Eu fico muito chateada com isso! (...) Eu não consigo ser aquele artista que fica quietinho porque eu tenho tudo e foda-se todos!". Tocado com a declaração, na semana passada o presidenciável Ciro Gomes republicou o vídeo da cantora e escreveu: "É por causa dessa imensa usina de compaixão, coragem e talento que você mora no coração das brasileiras e dos brasileiros".
Há ainda os artistas do queernejo, uma ala minoritária que defende que a música sertaneja deve incorporar a temática LGBTQIA+. O cantor Gabeu, filho do cantor Solimões, que faz parte dessa ala progressista sertaneja, critica abertamente o presidente.
E há também aqueles que a mídia pouco se importa em saber o que pensam, como Chitãozinho & Xororó, cujos filhos/sobrinhos Sandy e Júnior já deram declarações contundentes contra Bolsonaro. E qual a opinião política de João Lucas, cantor do megahit "Eu Quero Tchu, Eu Quero Tcha"? Em 2018 ele se candidatou a deputado federal em Tocantins pelo PC do B. O que pensa o sertanejo comunista sobre o presidente fascista? Não sabemos por que a imprensa trata todos como se fossem um grande bloco reacionário de direita.
Quando mostro a pluralidade do meio sertanejo, os repórteres dão sinais claros de insatisfação e até irritação. Trata-se claramente da postura reativa do jornalista preguiçoso, aquele sujeito que já tem a pauta pronta e só precisa do "especialista" para encher os balões das falas que ele já construiu.
Não custa lembrar que boa parte da MPB também apoiou Bolsonaro. Fagner fez campanha para o presidente em 2018. Entusiasmada "bolsominion", Nana Caymmi acusou Caetano e Chico Buarque de "comunistas". Toquinho e Djavan também deram declarações simpáticas ao presidente em início de mandato. Roberto Carlos foi favorável à campanha armamentista. Eduardo Araújo apareceu em todos os vídeos em que o exaltado Sérgio Reis clamou pelo fechamento do STF, mas ninguém se lembrou dele.
O crítico musical Nelson Motta escreveu em sua coluna em O Globo de 30 de novembro de 2018: "O ideal é um general para comandar com mão de ferro essa missão contra a corrupção sistêmica e pela melhoria das obras públicas. (...) Militares qualificados em cargos de comando do governo não significam nenhuma militarização do país, só o descrédito e a raiva do poder político civil".
Assim como nem todo jornalista é preguiçoso, a música sertaneja não se reduz a ponta de lança do agronegócio mais truculento e reacionário. É importante abordar a música sertaneja de forma menos simplista e dicotômica. Afinal, como já disse Tom Jobim, "o Brasil não é para principiantes".
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