“Leave means leave”, gritam por todo o Reino Unido de onde escrevo nesta semana protestos e marchas pedindo o cumprimento da saída do país da União Europeia.
Afinal, os britânicos foram consultados após um surto populista do ex-premiê David Cameron em 2016 e decidiram por maioria dar o fora votando sim em um referendo. E "sair significa sair”.
O brexit deveria ocorrer na próxima sexta, dia 29. Mas a prova da precipitação e da aventura é que, quase três anos depois do referendo, a principal estratégia da atual primeira-ministra Theresa May é mendigar aos europeus por um adiamento desse prazo.
Trata-se somente de ganhar tempo para ganhar tempo, sem um plano definido até agora sobre o que fazer dele.
O embaraço em que o brexit se tornou para os britânicos talvez seja só a primeira consequência séria da onda populista e neonacionalista que vem varrendo algumas democracias nos últimos anos.
Nessa esteira, Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil também poderão sofrer revezes no futuro —cada um a seu tempo e modo— pelo uso de discursos e soluções simples para problemas complexos, raiz do nó amarrado no brexit.
No caso do Reino Unido, um "não brexit” será a traição a uma decisão legal e democrática justamente numa das democracias mais antigas; um ataque não de fora, mas uma deslealdade com os eleitores de dentro do próprio sistema democrático.
O dilema do Reino Unido não é só existencial, de pertencer mais ao resto do continente europeu ou de se insular novamente. O país encontra-se sob o risco do que pode ser uma lenta decadência se respeitar a decisão dos eleitores e virar de vez as costas para a Europa.
Bancos, montadoras, cérebros e muito dinheiro já estão saindo ou se preparam para ir embora. Com o brexit, companhias aqui sediadas perderão acesso privilegiado a 440 milhões de consumidores na Europa. Na contramão, produtos europeus podem ficar mais caros para os 65 milhões de britânicos.
O resultado tende a ser uma combinação de menos empregos e crescimento e mais inflação, afetando justamente regiões já decaídas, as que mais apoiaram o brexit. Os políticos vão bancar isso?
O vento que alimentou o fogo do brexit lá atrás é o mesmo que levou Trump, Bolsonaro e outros como o Movimento 5 Estrelas na Itália a soprar slogans fortes e simplificados a eleitores insatisfeitos —contra a Europa, contra imigrantes, contra o PT ou contra seja lá o que for.
Tudo de modo direto, com dados obtidos de forma inconfessa e ataques sem filtro via redes sociais para que as mensagens chegassem intimamente à palma da mão dos eleitores, via celulares.
Como o brexit atesta, nessa nova forma de se fazer política propostas fáceis vencem eleições, mas só para potencializar problemas difíceis —para azar dos próprios eleitores.
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