Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
�gua
Pedro Piccinini | ||
Ultrassom
De jaleco, meu amigo de inf�ncia passa o ultrassom no meu abd�men e confirma que n�o tenho nada nos rins nem na bexiga. Voc� j� deve ter eliminado o c�lculo pela urina, diz. Aproveito e pe�o pra ele dar uma olhada no meu f�gado. Ele responde � l�gico, como se j� esperasse por isso, e depois olha l� o bich�o. Aquela mancha cinza-clara. O claro indica gordura, que a gente chama de esteatose. Mas � normal, todo mundo que bebe tem isso. Ent�o ele pausa a imagem, levanta a camisa e diz vamos ver quem � o mais cachaceiro. Encosta o aparelho na pr�pria barriga e procura o lugar certo. No monitor, o f�gado do meu amigo surge ao lado do meu. Ele ri, satisfeito: eu tinha certeza que ia dar empate.
Parada
Minha mulher ouve as instru��es do porteiro do hotel. Como n�o entendo franc�s, fico olhando os pardais que ciscam no jardim da frente. Hoje vamos conhecer uma vila medieval de pouco mais de 40 casas, voltamos antes de escurecer e amanh� continuamos a subir rumo a Paris. Percebo que a conversa vai longe. Saio pra rua sem cigarros, porque n�o fumo, mas esta seria uma boa hora pra fumar. H� uma pequena ponte de pedra no fim da quadra e, na outra margem, uma casa, tamb�m de pedra, com flores vermelhas nas janelas azuis. Se eu tivesse a chance de viver aqui, que tipo de livros escreveria? Talvez romances policiais. Ou poemas que n�o interessariam a ningu�m -o que n�o mudaria muita coisa. Grito j� volto pra minha mulher e caminho at� a ponte. O rio, dourado de sol, est� bem mais cheio do que eu imaginava. Giro o corpo pra ver tudo o que posso: gatos nos telhados, velhos jogando p�tanque, a placa da pizzaria onde jantamos na noite anterior, uma porta violeta com aldrava dourada, uma menina levando um coelho (pro almo�o ou de estima��o?) na cesta da bicicleta. Penso no trabalho que deu pra construir esse mundo -no trabalho que d� pra construir qualquer coisa. Penso no estrago que uma �nica pessoa � capaz de fazer. Minha mulher buzina e, quando me viro na sua dire��o, ela bota uma garrafa de vinho pra fora do carro e balan�a lentamente de um lado pro outro. Sou um cachorro hipnotizado por um bife. Vou de rabo abanando e ganindo feliz.
Chuva
Essa mulher � como chuva: n�o para de cair na minha cabe�a. Essa mulher � como chuva vista do 13� andar: s� de olhar pra ela fico com a alma lavada. No buraco do asfalto ela faz um espelho. Eu me ponho de quatro pra beber dessa �gua. As estrelas roubadas me transformam num santo. Quem olha pergunta se virei cachorro.
*
A coluna "Prosa/Poesia" � publicada aos domingos, a cada 15 dias, na revista s�opaulo.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade