Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Anivers�rio
Pedro Piccinini | ||
Ouvi esta hist�ria de um casal de amigos. Se algu�m duvidar de sua veracidade, que v� tirar satisfa��es com eles, pois juro que n�o inventei nada.
B�rbara, a filha deles, ia fazer tr�s anos. Os pais mandaram convites pra todas as crian�as do pr�dio. A m�e fez salgadinhos e um bolo de chocolate. O pai comprou refrigerantes e sucos. Juntos, eles encheram e penduraram as bexigas. B�rbara, louca de ansiedade, n�o parava de repetir os nomes dos convidados.
No dia e hora marcados, n�o apareceu ningu�m. O pai achou estranho e interfonou no apartamento do pai de uma das crian�as, um sujeito largado e gente boa com quem tinha alguma intimidade. Soube ent�o que naquela mesma tarde estavam dando uma outra festa no pr�dio vizinho, um condom�nio de luxo no meio do bairro de classe m�dia. Estava todo mundo l�. Que chato. Pois �. Parab�ns pra pequena.
Meus amigos ficaram irritados; B�rbara sacou o clima e come�ou a chorar. O casal discutiu a respeito do que fazer, se � que havia alguma coisa a ser feita. Por fim tiveram uma ideia.
Pegaram o bolo, a vela, as l�nguas de sogra, os chap�us de funil, as bexigas, os salgados, as bebidas, os copos, os pratos e os garfos de pl�stico, a isso acrescentaram uma garrafa de cacha�a, e foram de t�xi at� o viaduto mais pr�ximo, debaixo do qual vivia uma d�zia de mendigos.
Eles ouviram tudo com aten��o e imediatamente se solidarizaram com a menina: puseram os chap�us na cabe�a, assopraram as l�nguas de sogra, balan�aram as bexigas no alto e cantaram tr�s vezes o "Parab�ns a Voc�". B�rbara pulava de alegria no colo da m�e e batia palmas, como se nada de ruim tivesse acontecido, ou como se a consci�ncia da humilha��o passada lhe desse for�as pra lutar e, por vingan�a, ser feliz -mas n�o entendo muito de psicologia infantil.
Coxinhas e empadinhas desapareceram em segundos. O bolo foi destro�ado sem garfos, s� com bocas e m�os. A cacha�a, no entanto, eles beberam devagar. "Como se tomassem um licor raro e precioso", disse meu amigo.
Minha amiga, por sua vez, contou das conversas que teve com alguns dos moradores do viaduto, enquanto a filha brincava sem grandes dificuldades com um menino um pouco mais velho do que ela.
Quando a aniversariante se cansou, o pai botou a filha no ombro, de cavalinho, e voltaram pra casa caminhando -os dois adultos se sentindo leves e revoltados, com as almas lavadas numa �gua suja.
Nas semanas seguintes a B�rbara s� falava na sua "festa diferente". O carro, o amiguinho, o colch�o na cal�ada. Pela sua fala dava pra perceber que havia mais coisas, ela sabia disso, mas n�o conseguia exprimir com palavras. Depois de um tempo, deixou de tocar no assunto.
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