![fabrício corsaletti](http://f.i.uol.com.br/fotografia/2015/05/21/513495-115x150-1.jpeg)
Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Imagens
Cadelinha
Ele voou de bicicleta, � altura de um poste, ao longo de 30 ou 40 metros. N�o sei quanto tempo durou –eu n�o estava presente–, mas disseram que uma eternidade. Um dia desses, no bar do Serginho, mais de 20 anos depois, soube que foi por causa de uma menina, a Gil. Faz sentido, j� que eles botaram a rampa de skate bem na frente do casar�o onde ela morava. Quebrou v�rias costelas e ficou seis meses de cama, com gesso nas pernas e nos bra�os –pontos na cabe�a, curativo no queixo, ferida no nariz. Durante meses os moleques contavam tudo em detalhes: a lenta subida at� a igreja, empurrando a bike; os minutos im�vel, de m�os nos freios, hesitante; o sinal da cruz antes da partida; a descida alucinada, pedalando com for�a; o grito primitivo de vit�ria no instante em que o pneu tocou o half de madeirite (que a gente guardava no quintal do Lel�); a express�o de pavor que dominou o rosto do Cadelinha quando ele chegou l� no alto e planou, feito um her�i, num arco m�gico –que apenas imaginei mas nunca esqueci–; a queda no asfalto coberto pela areia de uma constru��o vizinha; o corpo do Cadelinha caindo no ch�o num baque horr�vel e, sua salva��o, diziam, rolando em seguida pela rua; o sil�ncio que pesou entre os meninos; o Lel� correndo e ligando pro pai, que era m�dico e surgiu de dentro da ambul�ncia e ent�o todo mundo chorou; a bicicleta fodida resgatada s� mais tarde do meio do mato do terreno baldio do Valentim.
O Frango pede pro Serginho uma por��o de dobradinha. O Lel� enche os copos de cerveja, engasga com o cigarro e come�a a gargalhar.
*
Ermit�o
Morava do outro lado do rio, num s�tio tomado pela mata ciliar. Sua casa era um barraco de madeira coberto de musgo. Diziam que vivia sozinho, sem r�dio nem tev�, meio louco, que nem �ndio, comendo mandioca, magoado com as pessoas, falando com fantasmas. Era um ermit�o, explicaram. Minha m�e nos proibiu de entrar nas terras dele. Meu pai contava uma hist�ria que acaba com meu av� atirando pro alto e o ermit�o indo embora, furioso. Uma vez eu o vi do banco de tr�s do carro, na beira da estrada, antes da �ltima ponte. E a lembran�a � n�tida demais pra que eu possa ter inventado qualquer coisa: os p�s descal�os, a barba cinza e comprida, o corpo magro e queimado de sol coberto por um saco de estopa, o chap�u de palha com furos, um cajado com uma ponta de ferro. "Olha o ermit�o", meu pai disse baixinho. Olhei com todas as minhas for�as. Eu queria olhar nos olhos do ermit�o e ver como era. O que ele sabia, se tinha valido a pena. Mas o ermit�o virou o rosto pro lado e continuou a caminhar.
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