Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Impressionistas
VICTOR G�SPARI | ||
Viol�o
O homem do viol�o organiza as for�as transversais da cozinha. Pilhas de pratos sujos e copos com restos de cerveja. Pessoas sentadas em bancos ao redor de uma mesa velha. Lata de lixo atochada de embalagens de pizza. Cinzeiros improvisados -latas de Coca rasgadas ao meio. Com sua m�sica, o homem do viol�o faz coincidir o ar, o instante, a casa cor de rosa e o galo maluco da pintura naify. A m�o direita da batida e a m�o esquerda dos acordes -as cravelhas peroladas brilhando na luz. E uma voz que est� e n�o est� aqui. Quem precisa de religi�o pra acreditar que o mundo � maior do que parece? Da janela vejo um quintal que lembra tudo o que � bom. Fico em d�vida se � real esse cheiro de grama molhada. Mas o homem do viol�o vai embora, e cada coisa se recolhe ao seu eixo e depois desaba. A ang�stia volta a circular entre os zumbis. Algu�m vai ter que limpar essa bagun�a.
*
Porteira
Estou sentado no palanque da porteira principal, perto da placa onde se l� "FAZENDA SANTA TERESINHA". Vejo a areia vermelha da estrada, os urubus no alto, os ip�s-amarelos no horizonte. Quatro ou cinco cavalos pastam ao meu redor; s�o lindos e conhe�o todos pelo nome. Ou�o de longe os barulhos da festa -gritos de b�bados e m�sica de acordeom. �s vezes sinto cheiro de churrasco, mas n�o estou com fome; j� comi dois sandu�ches de cupim e tomei tr�s refrigerantes. Minha irm� est� pulando corda ao lado da casa do empregado. Os outros meninos est�o l� embaixo, no rio. Estou sozinho de novo e sempre. Porque sou esquisito e chor�o. Um idiota que n�o sabe brincar. Que prefere ficar cheirando o vento e imaginando coisas. O futuro amigo de Garc�a Lorca. O que ainda precisa encontrar as palavras pra tornar tudo isso real.
*
Balc�o
Tem a forma de uma ferradura. At� a ocupa��o alem�, durante a Segunda Guerra, era de zinco, como ainda hoje em boa parte dos bares franceses. Os nazistas o arrancaram a fim de transformar o metal em muni��o. Mas um peda�o, de 20 a 30 cent�metros, n�o saiu do lugar. O dono n�o teve d�vida: mandou fazer o novo balc�o, agora de m�rmore, de modo que a pedra encaixasse perfeitamente no resto do Zinco da Resist�ncia.
*
Pintor
O que eu queria mesmo era ser um pintor impressionista. A luz a grama a janela aberta o copo de absinto a gar�onete de olhos borr�es escuros sob as nuvens -o mundo apenas sens�vel as fronteiras inst�veis tudo claro e em movimento- a �gua fosca o chap�u preto da mulher de l�bios rec�m-pintados a varanda do barco o vento. Outras op��es: trompetista de jazz; cavaquinista de choro; Caetano Veloso, Chico Buarque ou Bob Dylan; algu�m sexualmente insaci�vel e constantemente satisfeito; namorada da Susan Sontag; velho cubano; surfista. Mas o que eu queria mesmo era ser um pintor impressionista.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade