Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Carnaval
N�o lembro se fiz mais alguma coisa naquele Carnaval de 1996 al�m de ficar parado diante do palco do Nosso Clube, ardendo e babando de amor pela backing vocal da banda.
Era linda, mas acima de tudo diferente. Parecia estar e n�o estar ali, como uma trapezista que conseguisse rir de uma piada idiota, ouvida na noite anterior, enquanto viaja de ponta cabe�a sobre o abismo.
Ilustra��o Guazzelli |
Eu tinha perdido completamente a vontade de dan�ar e com sorte sair com alguma amiga da minha irm�, que ela teria me ajudado a convencer. Ficava parado no meio do sal�o ou num canto perto do banheiro, tomando u�sque com guaran� —a boca seca de anfetamina que um amigo farmac�utico arrumava pra gente.
Eu tinha uma tia que s� bebia durante o Carnaval e quando ficava b�bada s� falava em castelhano. N�o era espanhola nem nada, mas tinha essa mania. Meu tio, que era um tremendo cachaceiro, passava esses cinco dias do ano � base de Coca-Cola ou �gua, a fim de cuidar da esposa como um bom enfermeiro.
Na madrugada da ter�a-feira, vestida de chacrete, essa tia anunciou ao marido que precisava ir embora imediatamente —"estoy muy borracha, tesoro"—, e em seguida vomitou na frente de todo mundo, o que, diga-se em defesa de titia, era uma pr�tica bastante comum na sacada onde os dois tomavam ar. Eu estava por perto e meu tio me pediu ajuda pra lev�-la pra casa.
Na volta devo ter parado pra comer um lanche ou algo assim. Quando entrei no sal�o, o baile j� tinha acabado. Senti uma tristeza absurda. Eu era louco por Carnaval e nunca tinha sentido aquilo antes. Ficava triste boa parte do ano, mas no Carnaval era insanamente feliz. Ainda n�o falava em espanhol, mas chegaria l�.
Os m�sicos recolhiam os instrumentos. Meus amigos, semimortos, estavam esparramados pelo ch�o. Sem pensar muito, fui at� o palco, toquei no seu ombro, ela virou a cabe�a e eu me apresentei. Seu nome era Carla e as ma��s do seu rosto estavam cheias de glitter. Perguntei se queria dar uma volta pela cidade. Ela disse que sim.
Sa� do clube carregando duas caixas de som pesadas. Meus amigos s� faltaram atirar pedras em mim, mas n�o dei import�ncia. Eu j� estava h� milhares de quil�metros dali.
Na frente do hotel, ela disse "vou subir pra trocar de roupa e j� volto". Sentei na cal�ada e olhei a pra�a vazia. O sol come�ava a aparecer atr�s do consult�rio dos meus pais. Soprava uma brisa fria –que arrastava folhas e copos de pl�stico. No ano seguinte eu iria embora. Olhei pra tudo de dentro e de fora e tentei guardar aquela imagem comigo.
Ela apareceu de chinelo e camiseta e com uma lata de cerveja em cada m�o. Encostou o bra�o no meu bra�o e a perna na minha perna e ficamos juntos at� as nove da manh�. N�o foi sob nenhum aspecto uma conversa entre desconhecidos. Me fez entender o que eu andava procurando. Jurei que nunca deixaria de procurar.
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