Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Vexame
Essa vai ser dif�cil de contar, mas coragem:
Era segunda-feira, quatro da tarde, eu estava desde cedo escrevendo e lendo e cozinhando e n�o aguentava mais ficar em casa. Tirei uma nota de 50 reais da carteira, peguei os originais de um romance russo que eu tinha que revisar pra semana seguinte e fui pro Charm, um boteco inteiramente desprovido de charme na esquina da Augusta com a Ant�nio Carlos. O plano era voltar em duas horas no m�ximo.
Pedi uma cerveja, a cerveja me animou, parei de trabalhar e mandei mensagens pra alguns amigos que moram na regi�o. Um deles, tamb�m escritor, estava � toa e chegou r�pido. Tomamos cerveja, ele comeu um sandu�che, eu n�o comi nada porque tinha almo�ado e quando vi j� estava b�bado, num outro boteco, bebendo cacha�a e falando bobagem.
Ilustra��o Guazzelli | ||
Mas meu amigo tinha um jantar com um editor �s 20h. Era quase isso. Ele me convidou pra ir junto. Eu disse nem. Ele teve uma ideia: eu iria pro bar de um amigo nosso, que fica pr�ximo ao restaurante em que ele encontraria o editor, e sentaria na mesa de algum conhecido. O jantar duraria uma hora e meia, garantiu. Assim que terminasse, ele correria do restaurante pro bar e a gente beberia at� amanhecer.
Ele me emprestou uma grana, pegamos um t�xi, eu desci e ele seguiu em frente.
Na porta do bar, me dei conta de que n�o conhecia ningu�m l� dentro. Fiquei na cal�ada, bebendo em p�. Minhas pernas estavam bambas. Eu estava exausto. E onde, vida lazarenta, tinha ido parar o livro do Dostoi�vski? Ainda n�o era, mas parecia o fundo do po�o.
Foi a� que reparei nas lanternas japonesas. Dois bal�ezinhos vermelhos flutuando do outro lado da rua, quase em frente ao bar. Como que sa�dos do sonho. Como que chamando por mim. Eu adorava aquele lugar. Era min�sculo, lindo e aconchegante, com peixes fresqu�ssimos e um shushiman fant�stico -um sushiman que, se fosse barbeiro, eu deixaria sem medo que me barbeasse durante um terremoto.
A essa altura eu tinha menos de 30 reais no bolso.
Atravessei a rua como quem sobe do Inferno pro Para�so, mas sem a permiss�o de Deus nem o aux�lio do Diabo. Sentei no canto do balc�o e disse a mim mesmo: "O certo era voc� ir embora agora, de t�xi. Se n�o for, pe�a uma cerveja ou uma dupla de sushis e encare uma caminhada at� o metr�. Essas s�o as duas �nicas op��es, s�rio".
Quando o gar�om se aproximou, eu disse:
- Quero um combinado especial, um temaki de polvo, uma cerveja grande e uma dose de saqu�.
Depois pensei: "Essa pode ser minha �ltima refei��o em liberdade. � melhor aproveitar". Comi sem pressa e sem esperan�a: aquilo n�o tinha como acabar bem. Em todo caso, n�o custava tentar. Estudei o ir e vir do gar�om e, no momento em que ele entrou de novo na cozinha, eu abaixei o bon�, levantei devagar, dei boa-noite pro seguran�a e pulei pra dentro de um t�xi.
J� com a cabe�a no travesseiro, tentei me convencer de que n�o tinha motivos pra acordar culpado no dia seguinte:
- T� tudo bem. Acontece. Os sushis estavam maravilhosos.
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