![fabrício corsaletti](http://f.i.uol.com.br/fotografia/2015/05/21/513495-115x150-1.jpeg)
Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Amsterd�
Ilustra��o Guazelli | ||
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Chegamos �s duas da tarde, de trem. Ela fica no hotel pra descansar um pouco. Estou ansioso pra ver os canais e vou dar uma volta. Fujo de uma avenida cheia de bicicletas quebrando numa viela l�rica com bares —resisto—, caminho cinco quadras, atravesso uma ponte verde que d� de cara pra uma porta vermelha, tiro fotos, vejo canecas gigantes de cerveja � beira do canal, n�o tem lugar, ando mais, entro num coffee shop e pergunto como funciona. N�o sei enrolar baseados; sempre fumei com amigos. Compro uma tora do tamanho de um charuto, trago, � forte, minhas pernas tremem, encosto na parede, trago de novo, saio pra rua. Sento num banco de frente pro canal e de repente: uma gaivota num rasante, o peito branco e as asas abertas em todo o esplendor do seu voo tridimensional. H� quanto tempo n�o olho uma gaivota? H� quanto tempo n�o vejo qualquer p�ssaro? Rio sozinho e, seguindo o som de um acordeom, subo por uma ponte de ferro. Fico indo e vindo de um parapeito pro outro at� encontrar a melhor posi��o pra ver a cidade: os tijolos pretos, marrons, cinza e vermelho-caf� dos pr�dios magros de Amsterd� —barcos sob os p�s— enquanto o sol come�a a cair.
Tomo uma cerveja grande e sinto que o melhor j� passou.
Volto pro hotel rezando pro meu inconsciente n�o transformar Amsterd� num labirinto.
*
� noite: longo passeio com ela entre as luzes amarelas do bairro Jordaan. De novo e sempre: os pr�dios austeros, ou discretos, ou simplesmente magros, como os senhores e as senhoras que n�o s�o senhores nem senhoras mas cabelos brancos intrat�veis ao vento das bicicletas e peles queimadas pelo sol do mundo inteiro —os altru�stas holandeses viajantes, servindo jantares pros refugiados.
*
Feito o check out, almo�amos num restaurante maomeno e numa disposi��o de esp�rito quase zero. Coisas de viagem.
Depois paramos pra um �ltimo caf� em frente ao bar indicado pelo gar�om da noite anterior, que est� fechado. Sentamos na cal�ada. Levanto pra ir ao banheiro, mas volto assim que abro a porta do sal�o.
— Voc� precisa ver isso aqui!
O bar mais lindo da Holanda (escondido atr�s de uma fachada banal). Madeira preta descascada, quatro mesas coletivas, piano podre com livros, terra jogada no ch�o. Uma barwoman de dentes sujos e cabelo oxigenado que parece esconder na bota um punhal de 500 anos, e clientes sa�dos de uma tirinha do Crumb ou do Angeli: um velho descabelado com colete de fot�grafo l� jornal; outro, gordo e cabeludo, bebe ch� e conversa com uma hippie de primeira gera��o, que mama uma sangria; um surdo (aparelhos auditivos) faz palavras cruzadas.
Hank Williams circulando no ar metafisicamente empoeirado. Luz do sol passando de leve pelas janelas delicadas. Garrafas de vinho cheias d'�gua com flores de verdade sobre as mesas.
Falamos muito e bebemos genebra. Pedimos cerveja e quase perdemos o trem. Na esta��o corremos e rimos, cheios de uma estranha f� no mundo e em n�s. O nome � Monumentje. Um desses cantos da Hist�ria —onde � poss�vel se deixar viver.
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