Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Francis Mallmann
N�o gosto de falar do que n�o entendo e, como n�o entendo nada de comida, os chefs e os cr�ticos de gastronomia que eventualmente leiam esta coluna podem ficar sossegados ao reconhecer no t�tulo o nome do chef patag�nico.
N�o vou tratar de sua cozinha premiada. S� quero n�o deixar passar em branco a impress�o que sua figura provocou em mim. (Tamb�m n�o entendo nada de seres humanos, mas �s vezes fico louco por alguns exemplares da esp�cie e, quando isso ocorre, sinto uma vontade incontrol�vel de escrever a respeito.)
Foi um amigo que me deu a dica por WhatsApp: "Veja no Netflix o programa sobre Francis Mallmann da s�rie Chef's Table. Vc vai pirar". Ele estava certo.
Francis Mallmann, de quem at� ent�o, na minha cada vez mais vasta ignor�ncia, nunca tinha ouvido falar, � mais poeta que muito neguinho que anda publicando poesia por a�. Ele viveu; ele n�o duvida que est� vivo; seu discurso � apaixonado e dele transborda uma sabedoria muito particular.
N�o aquela coisa chata de dizer pros mais jovens (morrendo de inveja de sua juventude, claro): o mundo � cruel, seus sonhos s�o ing�nuos, eu tamb�m tive sonhos assim e eles foram massacrados. Com Mallmann esse papo n�o rola. Voc� v� a coragem e a franqueza com que ele faz suas escolhas —seus erros e acertos, sua capacidade de arriscar— e voc� fatalmente se pergunta se ainda est� no caminho verdadeiro ou � mais um que se acomodou no caminho f�cil.
Aos 59 anos, s� n�o parece estar no auge de sua exist�ncia porque � uma dessas pessoas que est�o sempre dispostas a realizar o pr�ximo gesto, talvez decisivo; que desejam o futuro porque amam o presente e aceitam o passado porque ele tamb�m j� foi o agora.
H� como que uma liberdade flutuante em torno desse homem de cabelos brancos desgrenhados que n�o tira o chap�u dandino de ga�cho que morou em Paris e adora rock'n'roll.
Seus cordeiros abertos em espetos � beira de um fogo aceso na neve, suas trutas cobertas de argila e assadas na brasa de um forno � lenha, seus legumes enterrados em covas seguindo uma antiga tradi��o dos Andes s�o como as grandes imagens dos grandes poemas e, pela crueza e sofistica��o —ou melhor, pela crueza consciente, esp�cie de quinta-ess�ncia de uma arte desenvolvida ao longo de meio s�culo—, lembram os �ltimos discos de Bob Dylan, em que o genial letrista gane seus versos feito o espantalho em chamas de um milharal metaf�sico. Se Dylan cozinhasse, faria coisas assim.
A certa altura do document�rio ele diz: "Sou um cozinheiro que quer transmitir um estilo de vida. Sempre cozinho em lugares selvagens, desertos, com fogueiras. Ent�o minha mensagem � esta: levante da cadeira, do sof�, do escrit�rio e SAIA".
Por que n�o —hip�crita leitor, meu igual, meu irm�o?
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