Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Exc�ntricos
Telhado
No dia mais quente do ano, ela abriu as folhas descascadas da janela do quarto e estendeu uma toalha de banho sobre o telhado do vizinho, que tapava metade da sua vista e acabava dois palmos abaixo do batente, numa calha cheia de bitucas de cigarro. Era s�bado e ela n�o tinha dinheiro, embora sentisse uma vontade vadia de sair de casa e se divertir. Vestiu um biqu�ni, pegou os �culos escuros e deitou de costas na toalha —o rosto voltado pro apartamento, os bra�os pro alto formando um losango, as pernas abertas e estendidas em cima do batente.
Passou a manh� ali, levantando �s vezes pra ir at� a cozinha beber �gua ou mordiscar um peda�o de banana. Na sua espregui�adeira improvisada, leu uma revista de fofocas, pensou em ligar pro cara com quem saiu na quinta-feira (estava separada h� seis meses), mas desistiu, raspou os pelos das canelas com uma l�mina de barbear e ao meio-dia tomou a �nica lata de cerveja que encontrou na geladeira.
Ilustra��o Guazzelli | ||
Quando a fome bateu fez espaguete com tomate picado, pimenta-do-reino e azeite, cobriu tudo de queijo ralado e sentou no sof� pra ver televis�o. Antes que terminasse de comer veio um sono pesado; ent�o botou o prato no ch�o (o ex-marido tinha levado a mesinha de centro), se ajeitou como p�de na almofada min�scula e dormiu profundamente a tarde inteira.
Chapeleiro
� chapeleiro. Tem uma chapelaria na Augusta, quase esquina com a Dona Ant�nia de Queir�s. J� saiu em tudo que � jornal, � um chapeleiro famoso. Deve ter uns 80 anos, talvez mais. � branco-vermelho como um ingl�s. Se veste como um ingl�s antigo. � chapeleiro e alfaiate; confecciona as pr�prias roupas.
Toda manh� eu o vejo, sentado numa cadeira de pl�stico na cal�ada do boteco do outro lado da rua, lendo jornal. Usa uns �culos grossos sob a boina bege. Almo�a sempre pelo bairro.
Parece cego ou iluminado, no meio de tanta gente diferente —diferente dele principalmente—, que desce da Paulista pro centro e sobe do centro pra Paulista. Como ele v� essas pessoas? Simpatiza com elas, como um gringo no Carnaval, ou as despreza, como um europeu do s�culo 19 numa col�nia qualquer no fim do mundo? O quanto se sente brasileiro?
Anda j� com certa dificuldade, apesar de grande e forte. Tenho a impress�o de que, quando o Baixo Augusta finalmente for dominado pelos grotescos empreendimentos imobili�rios da elite branca, ele n�o estar� mais a�. Espero estar enganado. Pois o velho chapeleiro faz, e faria ainda mais, bem � paisagem.
Neblina
Na descida da serra. N�o aquela neblina parada, nossa velha conhecida, na qual entramos quase sem perceber e da qual nos damos conta observando a aus�ncia dos carros e das placas de sinaliza��o, cobertos de n�voa branca. Mas uma neblina movedi�a, que cruzou a estrada como o fantasma de uma cachoeira, lentamente do vale em dire��o �s montanhas, contra as quais se chocou e desapareceu.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade