Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Duz�o (1979-2014)
1
Enquanto arma a tenda branca zero bala na cal�ada da sua casa, que finalmente fui conhecer, explica pra mim e pro meu pai que seu p�blico-alvo s�o os estudantes da faculdade de Prudente. Depois monta uma mesa desdobr�vel de acampamento, tamb�m nova, debaixo da tenda. Meu pai senta; eu fico em p�. Diz que ainda n�o come�ou a trabalhar no campus, mas j� assinou a papelada e na segunda que vem leva a tralha toda pra l�. Pergunto se conseguiu achar um nome —semanas antes ele tinha me consultado por WhatsApp sobre a maneira correta de usar o ap�strofo— e ele carrega no sotaque caipira pra contar que acabou chegando em Espetinho Du B�o. Acende o fogo e p�e os espetos pra assar. Meu pai abre uma cerveja e depois outra. Vou marcando o que consumimos num caderno que ele deixa em cima do isopor. A cafta est� �tima, o cora��o de frango tamb�m. Mas ele quer saber minha opini�o sincera, porque dali a alguns dias n�o v�o ser os amigos que v�o julgar seu trabalho. Digo que est� tudo uma del�cia e lhe desejo boa sorte. E essa � a �ltima vez que o encontro vivo sobre a Terra.
2
Na �poca da escola ele era muito gordo, mas tinha um sorriso lindo e f�cil que quase freava o desejo de bullying dos magrelos. Ia mal em todas as mat�rias. Fora da sala de aula, por�m, era o c�rebro mais r�pido do oeste paulista —amigo de meio mundo e vizinho do meu melhor amigo. Mas foi s� depois dos vinte que a nossa amizade engrenou.
3
Antes de ir passar um tempo em Buenos Aires, fiquei tr�s meses na casa dos meus pais esperando o casamento da minha irm�. De manh� escrevia e � tarde jogava sinuca no Bar do Serginho. � noite ia pra casa dele tomar terer� na varanda escura e fresca. Ele perguntava bastante sobre S�o Paulo, fazia planos de um dia me visitar e conhecer a rua Augusta e contava hist�rias surpreendentes, que me deixavam a estranha sensa��o de ser um forasteiro na cidade em que nasci. Era como se eu nunca tivesse morado l�.
Ilustra��o Guazzelli | ||
4
�s vezes a gente sa�a de carro pra fumar maconha nas estradas de terra ao som de algum rock pr�-hist�rico. Era bom olhar os pastos sob a lua e mijar a c�u aberto.
5
Uma vez ouvi meu pai falando a seu respeito: "Gosto dele. � um cara gentil. E olha nos olhos da gente enquanto fala". Desde ent�o procuro olhar nos olhos das pessoas quando falo (nem sempre consigo).
6
Pensar na churrasqueira quase sem uso que ele comprou pra finalmente ganhar a vida � de foder.
7
Ele morreu na Curva da Morte numa batida de moto � meia-noite na volta do trabalho. Eu estava num bar da Vila Madalena, �s tr�s da madrugada, tomando a saideira depois do lan�amento do livro de um amigo, quando minha irm� ligou. No t�xi, a voz do meu primo me transportou pra dentro daquela realidade e por instantes n�o fez nenhum sentido morar t�o longe. Em casa, a torneira do banheiro estava pingando e n�o me deixava dormir.
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