![fabrício corsaletti](http://f.i.uol.com.br/fotografia/2015/05/21/513495-115x150-1.jpeg)
Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Minas
LADEIRA
Ladeira resplandecente de sol. Pracinha com jogadores de truco. Mulheres gordas a caminho do banco. Moleques pulando da ponte pro rio.
As �rvores foram podadas. N�o consigo imaginar como eram antes. Espero o dia de enxergar novamente o mundo. Por enquanto, apenas encaro a paisagem; assimilo formas que daqui a alguns anos possa talvez manipular. O c�u acumulado de nuvens. Com uma risada no est�mago. Guris molhados que gritam e saltam outra vez.
TORRE
Casa colonial perdida no meio do campo. Nenhum pomar em volta. Nenhum curral por perto. Nem sequer um cavalo pra comer o capim alto. Nobre e triste com sua torre branca, que j� foi parte de uma igreja.
O dono, um fanfarr�o solit�rio, nos levou at� l�. E antes de fazer o som do sino se espalhar sobre a braqui�ria vermelha do crep�sculo abriu na parede falsa um arm�rio secreto, de onde tirou uma garrafa e tr�s copinhos, que encheu com a mais pura cacha�a. Depois sugeriu como beber. De um gole s� e com o rosto assassinado pelo sol.
MARIANA
Uma professora de Santa B�rbara do Oeste que j� passou por Campinas, Santos e S�o Paulo, e agora vai trabalhar a p�. Um fot�grafo de dois metros de altura com bochecha e jeito de anjo. Um poeta soteropolitano que acabou de se aposentar. Um motorista que bebe cacha�a aos golinhos mas cujo pai bebia numa golada s�. Uma aluna que mancava e tinha um sorriso lindo e por quem quase senti vontade de me apaixonar. Uma aluna que parecia pensar coisas maravilhosas, mas que falava demais e nunca a frase certa. Um bar com varanda suspensa sobre a pra�a e sobre a noite onde comemos pastel de angu. Uma sacola com vidros de pimenta, �gua, bananas e meia garrafa de vinho. Uma mulher que dirige feito uma deusa. Morros cobertos por samambaias selvagens. Um andarilho. Placa alertando a presen�a de andarilhos. Um gavi�o pousado numa �rvore solit�ria no meio do pasto que a estrada corta. P�o com lingui�a. P�o com lingui�a. P�o com lingui�a.
ALEIJADINHO
Certos anjos do Aleijadinho lembram velhos banqueiros b�bados, libidinosos e bonach�es, com suas bochechas e papadas absurdas. Neles por�m n�o h� cinismo. Pelo contr�rio, parecem aliviados por terem sido salvos de si mesmos pelo g�nio generoso. S�o todos gratos a ele. E um pelo menos � muito feliz.
ALUCINA��O
Casa colonial com jardim. A �nica da cidade. Ao lado da igreja e sob a lua. Lugarzinho maravilhoso. Onde imagino crian�as que poderiam ser meus filhos. Elas brincam no sol. O cheiro de carne de panela se alastra pela rua e sobe at� o c�u. Do quarto em que escrevo posso v�-los l� embaixo. Abro a janela e jogo um toco de ma�� na cabe�a do mais velho. Ele fica louco com a brincadeira e quer vingan�a. Atira pedras pro alto gritando o nome de um vil�o do momento. Erra todas. Menos uma, que chega fraca, sem perigo, � palma da minha m�o. Eu a guardo no bolso. N�o como amuleto, pois j� n�o preciso deles, e sim como prova do quanto sou feliz.
Melhor cair fora de Minas antes que seja tarde demais.
Livraria da Folha
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