Nascido em Santo Anast�cio (SP), em 1978, � autor de 'Esquim�' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Marinhas
POMBAS
Da janela do quarto vi duas pombas escuras ciscando na areia da praia. De repente tive vontade de saber qual a sensa��o de ser uma ave daquelas, pequena e balofa, diante das �guas cinza do inverno. Me concentrei e por muito pouco n�o consegui anular os quarenta ou cinquenta metros que nos separavam. Senti uma quase-vertigem, como se ganhasse um bico e come�asse a rir. Depois ca� outra vez no meu corpo pesado. Mais tarde, na volta das compras, larguei as sacolas na portaria do pr�dio e entrei no mar. As ondas gelaram minhas pernas e a maresia abriu meus pulm�es. Era tudo real. Mas tamb�m era real o mar das pombas.
*
SURFISTAS
Depois de nadar, sentei na areia e fiquei observando os surfistas. O que � uma onda? Um produto do movimento do mar. O que � o mar? Uma criatura que aboliu a dist�ncia entre a forma e o desejo. O que faz quem pega uma onda? Entra na materializa��o do ritmo do mar. No verso do mar. Na frase musical do mar. Charlie Parker de olhos fechados num clube de jazz cheio de fuma�a em Nova York � meia-noite agarrado ao sax e exigindo de seu c�rebro a pot�ncia m�xima. Esse garoto molhado de pulm�es possantes que agora se despede do amigo e promete estar l� amanh� de novo �s sete. N�o est�o buscando a mesma coisa? E n�o parecem muito pr�ximos de encontrar?
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TEMPO
Na sacada, ele olhou pro c�u, menos nublado que no dia anterior, e gritou pra ela, que preparava o caf�: parece que hoje o tempo vai abrir. Por segundos ela esqueceu o sentido comum da frase e tentou imaginar o evento extraordin�rio de que estavam prestes a ser testemunhas. Quando o tempo se abrisse, ouviriam sons estranhos? Quando o tempo se abrisse, veriam cores novas? Quando o tempo se abrisse, continuariam juntos? Que cheiros sutis o vento espalharia pelas cidades lib�rrimas?
Depois ela se adaptou novamente ao que costumava chamar de realidade e �s onze horas o sol apareceu. Foram � praia. Conversaram, nadaram, beberam caipirinhas. De volta ao apartamento, tiraram a areia do corpo com um banho frio e fizeram sexo. �s quatro almo�aram macarr�o com vinho. Enquanto ele dormia, ela leu o primeiro cap�tulo de um romance policial. Mas at� pouco antes de escurecer algu�m dentro dela continuava inquieto, � espera das Grandes Inaugura��es.
Ilustra��o Guazzelli | ||
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