Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Há fumaça no acordo com os planos de saúde

No escurinho de Brasília, o filme termina ferrando as vítimas

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Sente-se um forte cheiro de queimado no acordo verbal fechado há duas semanas pelas operadoras de saúde com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. À primeira vista, foi um alívio: depois de cancelarem os planos de dezenas de milhares de pessoas, inclusive de uma senhora de 102 anos, freguesa da Unimed desde 2009 com mensalidade de R$ 9.300, as empresas comprometeram-se a suspender o massacre.

À segunda vista, o negócio não é bem assim. Pelo menos 30 mil vítimas ficarão sem contrato e a pax liresca durará enquanto tramitar, nas palavras do doutor Lira, "uma proposta legislativa que tenha a possibilidade de inovar".

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em sessão solene do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), na sede da corte, em Brasília
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em sessão solene do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), na sede da corte, em Brasília - Pedro Ladeira - 3.jun.24/Folhapress

Tradução: o problema foi remetido ao escurinho de Brasília. Todas as malfeitorias das operadoras baseiam-se em leis ou normas produzidas naquele mundo de sombras. É só lembrar que em 2020 as operadoras relutaram em cobrir o pagamento dos testes de laboratório para detecção da Covid. Afinal, o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde não falava de testes para uma doença que havia acabado de aparecer. A negociação com Lira teria impedido a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Depois da CPI da Americanas, impedi-las tornou-se um serviço público.

O acordo de cavalheiros produzido por Lira é uma vaga girafa. Ficaram fora dele todos os órgãos do Executivo, a começar pela ANS.

O setor das operadoras de saúde está em crise. No conjunto, fechou o ano com um prejuízo operacional de R$ 4,53 bilhões, mas isso quer dizer pouca coisa, porque muitas operadoras tiveram lucro.

Levando-se a questão para uma "proposta legislativa", corre-se o risco de produzir uma situação na qual ferram-se os fregueses e aliviam-se as operadoras mal geridas. Novamente, vale lembrar que em 2014 um jabuti legislativo aliviava as operadoras no pagamento de multas por não atenderem a freguesia. Pela gracinha, quanto maior fosse o número de infrações, menor seria o seu valor unitário. Dilma Rousseff a vetou.

O governo de Lula 3 fez uma opção preferencial por temas genéricos, passando ao largo de crises específicas. Com as operadoras de saúde ele não mexe, o que não é novidade, porque a turma da Lava Jato também não mexeu.

A encrenca das operadoras é do tamanho de duas outras de tempos passados, a dos bancos, que explodiu no colo de Fernando Henrique Cardoso, e a das empreiteiras, que contribuiu para a deposição de Dilma Rousseff.

Não foi à toa que a gigante americana UnitedHealth fugiu do mercado brasileiro. Trata-se de um setor da economia que atende 51 milhões de brasileiros, no qual prosperam alguns donos de operadoras e de hospitais. Negam atendimentos, descumprem até mesmo decisões judiciais e argumentam que cumprem as leis e as normas. O plano ficou caro? Culpa da inflação médica que foi de 14,1%, contra os 4,8% da vida oficial.

As dificuldades do setor vêm de uma origem simples, nele não há rigor no controle de custos. Na ponta dos planos e dos serviços, fatura-se. Na outra, 51 milhões de vítimas pagam. Quando a conta não fecha, cancela-se o freguês idoso ou doente. Havendo grita, arma-se um acordo de cavalheiros à espera de uma "proposta legislativa".

Tudo bem, mas o ator mexicano Cantinflas já cuidou desse tipo de acordo. Antes de começar uma partida de dominó, perguntou aos parceiros:

— Senhores, vamos jogar como o que somos?

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