De poder conquistado não se abre mão, a menos que um grave e intransponível impedimento obrigue a isso. É uma constatação baseada em fatos semelhantes ao fato de que o Legislativo resistirá o quanto puder a largar o osso do uso avançado das emendas parlamentares sobre o Orçamento da União.
Os congressistas têm pela frente um daqueles duros de roer na figura do ministro Flávio Dino, cujos atributos para além da atividade jurídica o tornam um antagonista difícil de ser ludibriado. Próximo ao Planalto, experiente no Executivo e traquejado no ofício de parlamentar, Dino sabe por onde as pedras rolas e as cobras andam.
Na posse dessa expertise, o ministro não se deixará convencer facilmente pelas manobras diversionistas da Câmara e do Senado com as quais pretendem convencer o Supremo Tribunal Federal de que serão atendidas as mudanças exigidas para adequar o manejo das emendas aos ditames da Constituição.
Na afobação que caracteriza o trâmite de interesse corporativista —com relator nomeado na véspera e zero discussão de mérito—, os deputados aprovaram na semana passada um projeto de lei supostamente moralizador.
Agora os senadores estão prontos para chancelar a matéria, igualmente sem exame detido sobre o que atende ou não ao artigo 37 da Carta nos princípios de publicidade, impessoalidade, eficiência e moralidade impostos à administração pública.
O Congresso tem pressa porque precisa liberar recursos interditados desde agosto. Já Flavio Dino segue numa toada mais pausada, de olho vivo e faro fino para diferenciar mudanças substantivas de mera maquiagem.
O projeto em tela oferece alguns parcos avanços, cujos defeitos, no entanto, são de fácil detecção: as emendas de comissão seguem a regra da obscuridade das de relator (proibidas pelo STF em 2020 sob indiferença do Parlamento), não há recuo no volume de recursos e as concessões no quesito transparência não implicam punições se não forem cumpridas.
O Congresso tenta tapear o Supremo. Se conseguir, terá fechado mais uma transação (tenebrosa) em causa própria.
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