Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Senegal Polícia Militar

É preciso apurar rigorosamente a morte de Talla Mbaye

Senegalês caiu de seu apartamento após PMs entrarem sem mandado judicial

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Na última semana, mais de uma centena de imigrantes africanos, em sua maioria de origem senegalesa, se reuniram em protesto em frente à Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Entre revolta, oração e saudade, o pedido de investigação rigorosa pela morte de Serigne Mourballa (Talla) Mbaye, morto após uma operação policial questionável –para dizermos o mínimo– no edifício em que morava.

Talla caiu da janela do sexto andar. Segundo os policiais militares, após uma abordagem, sem flagrante, de três senegaleses na rua, eles teriam recebido uma pista e chegaram ao edifício em que Talla residia. Tiveram sua entrada assentida pela síndica e subiram ao apartamento, quando perceberam por uma fresta na porta diversos celulares na mesa, o que justificou a entrada forçada. Talla, por sua vez, teria tentado fugir de forma desastrada e caiu da janela.

Contudo, a versão policial é contestada em diversos pontos. Questiona-se a primeira abordagem na rua, por não haver justificativa, senão um viés racial, para tanto. Questionam-se, ainda, a suposta pista e a entrada no edifício, uma vez que a própria síndica afirmou ter se colocado absolutamente contra o ingresso no prédio, pois seria a quarta vez, pelo menos, nos últimos meses em que os policiais –em alguns casos os mesmos– subiriam aos apartamentos à noite, sem mandado, com resultado violento.

A ilustração de fundo amarelo escuro traz à esquerda um punho negro, cerrado, que segura uma bandeira do Senegal. A bandeira do Senegal traz as cores do pan-africanismo, em três listras verticais: verde, amarelo e vermelho, com uma estrela verde ao centro
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 2 de maio de 2024 - Aline Bispo/Folhapress

Conversei com Roberto Tardelli, advogado contratado por Mama, matriarca da comunidade senegalesa do edifício e estilista de prestígio no Brasil. Ele esteve no prédio e no apartamento após o ocorrido, entrevistou os moradores e fotografou o local. Tardelli questiona como seria possível, de acordo com o desenho da porta, ter havido uma "fresta" na porta que justificasse a entrada. Ele também se pergunta sobre o "coincidente" desaparecimento dos registros das câmeras de segurança do prédio após a ação policial. E requer, finalmente, a troca de "queda acidental" por "morte a esclarecer" no inquérito policial.

O contexto de uma atividade criminosa por parte de Talla também levanta suspeitas na comunidade, uma vez que os imigrantes são, na grande maioria, muçulmanos devotos e levam a vida de acordo com os princípios do Islã, entre os quais talvez o mais caro seja não roubar, não praticar crimes. Talla era uma pessoa conhecida na comunidade, frequentador assíduo da mesquita dos Campos Elíseos, liderada por Mohamad Seye, e distribuía pão para imigrantes. Jamais, em mais sete anos no Brasil, teve passagem na polícia.

Mas não é só. Pois mesmo que todas essas evidências não fossem suficientes, como questiona Tardelli, como pode os policiais invadirem residências à noite e sem mandado? Para a abordagem de crimes sem violência, de acordo com a Constituição Federal, a casa é inviolável no período noturno e deve-se aguardar até a manhã para, munidos de uma ordem judicial de busca e apreensão, averiguar os itens dentro da casa.

Some-se a isso, como já dito, os relatos uníssonos de dezenas de imigrantes senegaleses sobre a reiteração de invasões de suas casas pela Polícia Militar. Como a maioria vive do comércio no Centro de São Paulo, eles apontam ainda que seriam roubados nessas oportunidades pela própria polícia, que, a pretexto de investigar, entraria para subtrair perfumes, tênis de luxo e eletrônicos.

Ora, caso sejam acusações levianas e sem fundamento, é muito fácil contestá-las: basta apresentar o vídeo das câmeras corporais dos policiais que vêm efetuando essas operações. Do contrário, diante de uma recusa em apresentá-las ou na inexistência delas junto aos policiais naqueles momentos, devemos questionar a cúpula da corporação se esses agentes do Estado estão fazendo invasões em massa em residências de africanos em São Paulo, à noite, sem mandado e sem câmera, em clara ilegalidade da atuação.

A fé pública inerente à atuação estatal estaria, nesses casos, no mínimo abalada.

Quero registrar minha solidariedade aos irmãos e irmãs de diáspora que choram a morte de Talla Mbaye.

Que sua morte seja rigorosamente apurada para não só desvelar o que ocorreu naquela fatídica noite, mas para que este seja o evento catalisador para aferir de que forma os imigrantes africanos vêm tendo seus direitos constitucionais violados no Brasil.

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