Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Todas Chuvas no Sul

Abrigos exclusivos para mulheres e crianças são fundamentais

Assim como é fundamental uma política de Estado para um Brasil em reconstrução

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Fiquei tocada ao ler as reportagens sobre as mulheres que conseguiram descansar por uma noite, finalmente, após serem acolhidas em abrigos reservados apenas para mulheres e crianças desabrigadas pelas inundações que assolam o Rio Grande do Sul.

A situação calamitosa vivida pelo povo da região obrigou muitas pessoas a saírem de suas casas e procurarem lugares improvisados para terem um teto onde pudessem sobreviver cada dia. No total, segundo dados oficiais, mais de 500 mil pessoas estão desalojadas e dezenas de milhares estão em abrigos. Foram famílias inteiras em toda sua pluralidade, incluindo a grande parcela de famílias formadas por uma ou várias mulheres e crianças.

Ocorre, contudo, que logo nos primeiros dias da situação extraordinária começaram a surgir denúncias de abusos sexuais no interior desses espaços, levando à prisão de alguns homens. A sensação de medo e apreensão por parte das mulheres, que já existia, tornou-se ainda maior.

Grupos sociais vulnerabilizados partilham de experiências em comum que, em momentos excepcionais como esse, podem ficar ainda mais latentes. Para haver uma resposta por meio de política pública eficiente, é preciso ouvir e construir ferramentas que dialoguem com cada realidade social. No caso das mulheres, a abertura rápida e disseminada de abrigos exclusivos para elas e crianças é uma medida urgente de proteção.

Como afirmou recentemente a escritora Yasmin Morais, o estupro é a memória física ancestral partilhada pelas mulheres. É "o fantasma atrás da porta". Em texto para a CartaCapital, Morais complementa: "[o estupro] é a lembrança mais antiga de séculos de escravidão, comercialização, troca por dotes, casamentos forçados, segregação por castas e utilidades, e da privação da plena condição humana".

Para a autora, a disparidade de perspectiva entre homens e mulheres sobre a agressão sexual produz avaliações muito distintas sobre o temor feminino em ter seu corpo violado. No caso do Rio Grande do Sul, lamentavelmente, um temor justificado na realidade concreta, visto que homens foram presos pela prática de estupro nos abrigos.

A ilustração tem um fundo lilás e a imagem de uma mãe e seu filho, uma criança, dormindo de mãos dadas. Ela usa uma blusa verde clara, a criança usa um pijama cor de rosa e ambos estão cobertos por um lençol rosa claro.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 16 de maio de 2024 - Aline Bispo/Folhapress

Sou uma das mulheres que não conseguiriam dormir ao lado de um homem que não conheça ou no qual não confie. Segundo uma das mães entrevistadas pela equipe da revista Donna, do grupo Zero Hora: "Foram sete dias sem dormir. Com cinco crianças para cuidar, sem saber quem estava dormindo do nosso lado, com homens e mulheres todos misturados... Você dormiria?".

No meu caso, já disse: nem um minuto. E por isso, em meio a esse mutirão de apoio e solidariedade às vítimas da tragédia no Sul, reforço a importância de direcionamento dos apoios aos abrigos exclusivos.

Vale dizer que a construção de equipamentos públicos para acolhimento a mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade social deve ser uma constante que independa de desastres ambientais para ser desenvolvida.

Além de uma medida pública fundamental de proteção à mulher, a evidente necessidade de abrigos exclusivos no Rio Grande do Sul aponta um caminho de desenvolvimento de política para os outros governos municipais e estaduais que não estão enfrentando situação de calamidade, pois, como se vê, a existência de locais especializados mostra-se também como uma medida de prevenção para eventualidades de força maior.

Em São Paulo, por exemplo, a Casa Rosângela Rigo funciona desde 2016 a partir de convênios com a prefeitura para atender mulheres em iminente risco de violência doméstica. Mas, assim como todos os equipamentos similares, incluindo os abrigos exclusivos improvisados no Rio Grande do Sul, a casa está sempre lotada, revelando uma demanda social urgente pela trágica situação da mulher brasileira.

A criação de espaços adequados e a manutenção dos que já existem, o desenvolvimento de uma rede de apoio social e de bem-estar para mulheres e crianças e o investimento nas profissionais de base são pilares que beneficiam toda a coletividade em saúde, segurança, educação, meio ambiente e tantas outras áreas.

Uma política de Estado fundamental para um Brasil em reconstrução.

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