Há algum tempo, mulheres reiteram a necessidade de um caderno específico que amplie a vocalização de temas que são muito caros ao grupo.
Foi com entusiasmo, então, que tomei nota que a Folha de S.Paulo lançou o Todas, direcionado à cobertura de conteúdo voltado às mulheres. Comandada pela editora Victoria Damasceno, a multiplataforma conta ainda com Sílvia Haidar como editora-adjunta, e reportagem de Bárbara Blum e Vitória Macedo.
A plataforma nasce com objetivo de aumentar a cobertura de autocuidado, saúde, moda, carreira, política e cultura.
Ficam os cumprimentos por essa iniciativa do jornal, que pluraliza o olhar sobre o cotidiano e contempla um número maior do seu público.
A missão desse grupo diverso de mulheres, além de visibilizar temas que passariam batido ou não receberiam a atenção adequada, renderá inúmeros olhares e pesquisas sobre o resultado do trabalho, pelo pioneirismo da ação no jornal.
Mas, antes de pensar no que pode ser, precisamos refletir sobre a importância de criação de espaços como esse. O ponto aqui é pensar de que forma uma editoria voltada à produção de material por e para mulheres pode contribuir com a qualidade do trabalho jornalístico geral do jornal.
Algumas pistas já foram dadas nessas breves linhas, mas prosseguimos no argumento, porque penso que essa iniciativa deveria ser replicada por outros veículos de comunicação, sejam eles impressos, digitais ou televisivos.
Em primeiro lugar, precisamos identificar a realidade e uma pesquisa recente do Instituto Reuters pode ilustrá-la. Pesquisadoras do instituto analisaram editoriais na imprensa em 12 países diferentes e concluíram que, em média, apenas 22% dos cargos de liderança no jornalismo são ocupados por mulheres, uma porcentagem que contrasta com a presença de 40% de mulheres como jornalistas.
A pesquisa ainda identificou que no Brasil o índice de cargos em chefia de editorias é de 13%, somente superior ao México —onde apenas 5% são mulheres— e empata com o Quênia, sendo inferior a todos os outros mercados analisados, que incluem Estados Unidos (44%), Reino Unido (35%) e África do Sul (20%), entre outros.
Como afirmo na obra "Lugar de Fala", a partir de referenciais teóricos de Lélia González, quem detém o privilégio social possui o privilégio de produzir sentidos. No caso do jornalismo, a presença hegemônica masculina impacta, como grupo social na pauta, linguagem adotada e nas relações hierárquicas profissionais.
Conforme identificado na pesquisa "Mulheres no Jornalismo Brasileiro", realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji, pela associação Gênero e Número, em parceria com o Google News Lab, "a cobertura jornalística, por sua vez, tende a refletir as dinâmicas de desigualdade no interior das redações. Isso porque os critérios de noticiabilidade, o enquadramento e os informantes selecionados para a produção das notícias refletem as preferências de quem está nos cargos da alta gerência —e esses continuam sendo majoritariamente homens".
A pesquisa ainda identificou práticas discriminatórias por causa de um ambiente atravessado pelo machismo. Segundo a pesquisa, 73% das jornalistas afirmaram já ter escutado comentários ou piadas de natureza sexual sobre mulheres no ambiente de trabalho, ao passo que 65,7% afirmaram ter tido sua competência questionada ou mesmo ter visto uma colega ter a competência questionada pelos seus colegas ou superiores.
A diferença dentro da diferença pode e deve ser analisada, mostrando a importância da interseccionalidade para um olhar que contemple grupos sociais diversos. Segundo o Perfil Racial da Imprensa Brasileira, levantamento feito pelas organizações Jornalistas & Cia, Portal dos Jornalistas, Instituto Corda e I’Max, apenas 20% das pessoas entrevistadas se identificaram como negras. Dessas, uma metade de mulheres. Segundo esse levantamento, as pessoas negras ainda ocupam uma maioria de cargos operacionais.
A ausência histórica de mulheres dos espaços de informação é desvelada por estudos e contraposta por ação de jornalistas engajadas em romper padrões de exclusão. Vida longa à multiplataforma Todas e que mais mulheres possam mobilizar pautas que sejam relevantes para todas nós.
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