Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

José Gregori, imortal

Quando o mais velho se vai, lembramos as suas histórias

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Minha solidariedade e reverência diante da morte de José Gregori, ex-ministro da Justiça, secretário nacional dos Direitos Humanos, ilustre confrade imortal da cadeira número 15 da Academia Paulista de Letras, que escreveu sua história nesses e em tantos outros lugares.

Na ilustração está a figura de José Gregori, ele é um homem branco, de cabelos brancos, usa camisa branca, terno azul escuro, gravata azul escura e usa óculos de grau.
Ilustração de Aline Souza para coluna de Djamila Ribeiro de 8 de setembro de 2023 - Folhapress

Como escreveu precisamente nosso confrade José Renato Nalini no portal Terra, "não foram os cargos que o enobreceram. Ele conferiu prestígio e respeito às funções que exerceu, todas elas em favor do Brasil e da edificação de uma sociedade humana e justa, o sonho da democracia ideal, pela qual sempre batalhou".

Além do homem público, havia aquela doce companhia dos almoços às quintas-feiras em que nos encontramos algumas vezes durante o último ano. Uma conversa muito sincera, profunda, agradável, e um coração generoso.

Ficam as saudades no largo do Arouche do nosso querido Zé. Nas palavras de Ignácio de Loyola Brandão, no jornal O Estado de S. Paulo, "houve o José Gregori, ministro da Justiça, defensor dos direitos humanos, embaixador em Portugal, o homem que foi dos criadores do PSDB", e "houve o Zé das tardes de Jovem Guarda no Teatro Record, com Roberto Carlos, Wanderléa, Erasmo. E depois sentado no icônico Riviera —muitas vezes acompanhado de Maria Helena— para fechar a tarde e iniciar a noite".

Maria Helena Fonseca Gregori foi seu grande amor e com ele viveu mais de 50 anos, até ela morrer em 2015, numa história que teve os direitos humanos como o enredo de uma vida conjugal corajosa e bem vivida. Estendo meu abraço e conforto às três filhas do casal, Maria Stella, Maria Filomena e Maria Cecília, e aos netos, netas e bisnetos.

José Gregori foi uma figura que pensou a redemocratização e a construção dos equipamentos públicos de promoção de direitos humanos no país, como o Plano Nacional de Direitos Humanos, o primeiro da América Latina, e foi responsável pela criação da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos pela Lei nº 9.140/95, a mesma que reconheceu como mortas as pessoas dadas como desaparecidas naquela época.

Anos depois, apoiou a criação da Comissão Nacional da Verdade, que considerou um grande marco democrático. Tendo sido ministro do governo que estava, então, na oposição ao governo Dilma, mostrou nesse e em tantos outros momentos uma serenidade política e um compromisso com os direitos humanos.

Entre lutas que empreendeu durante sua jornada, podemos destacar Gregori como um dos autores da "Carta aos Brasileiros", em 1977, documento incontornável na trajetória de luta pela democracia no país —que foi lido por Goffredo da Silva Telles na Faculdade de Direito da USP, no mesmo pátio ao que, 45 anos depois, José Gregori retornou para apoiar a "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros" de 2022, em defesa da integridade do sistema eleitoral brasileiro e da democracia.

Nos seus últimos anos, ainda, foi um dos fundadores da Comissão Arns, destinada ao monitoramento de violações de direitos humanos, e abrigava algumas de suas reuniões em sua própria casa.

Concedia entrevistas à imprensa e, diante de sua morte, voltei a ler algumas. Encontrei uma em 2020, ano da pandemia, em que estávamos chocadas e chocados, José Gregori inclusive, com o despreparo com o qual o governo de Jair Bolsonaro, do PL, lidou com a crise no sistema de saúde.

Na entrevista, Gregori trouxe sua perspectiva crítica à utilização da rançosa Lei de Segurança Nacional e contou sobre sua trajetória no serviço público para a revogação e substituição do documento legal.

Contou sobre seu sonho e dias de trabalho naqueles anos junto a Luís Roberto Barroso, à época advogado e professor universitário, e outros juristas pela criação de uma lei que desse o respaldo à defesa das instituições sem o aparato discursivo dos anos de chumbo (a exemplo da repaginada LSN). Essa utopia gregoriana ainda não foi devidamente honrada.

Quando o mais velho se vai, nos sentamos em círculo e contamos histórias a seu respeito. Faço esses breves registros meus nesta Folha diante de uma vida inteira de compromisso, amor e dever cumprido.

Obrigada, querido José Gregori. Você fará falta!

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