Nessa última semana, a equipe jurídica que representa a mim e a organizações dos movimentos negros em uma representação contra o Twitter no Ministério Público Federal se reuniu com procuradoras. A representação pede que essa instituição se mobilize contra a proliferação de discursos de ódio contra mulheres negras nessa empresa de rede social.
A Unegro e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas, a Conaq, ingressaram em conjunto na ação. A representação foi movida em um momento pessoal muito difícil.
Por um final de semana inteiro, meu nome esteve na primeira posição dos trending topics dessa empresa, na qual não possuo conta, com discursos caluniosos e injuriosos. A mobilização de ódio contra mulheres negras é uma combinação de fogo com gasolina. Minha família passou a ser intimidada, chegando a mensagens de ódio à minha filha.
Um parêntese é que, um ano depois, a equipe jurídica foi investigar o que houve naquele final de semana e encontrou tuítes idênticos vindos de contas fakes disparados com segundos de distância. Ficou comprovado o uso de robôs de disparos para produzir uma ascensão plástica de meu nome na plataforma, com o objetivo de praticar ataques pessoais como também de atingir toda a coletividade negra.
Em seu livro "Discurso de Ódio nas Redes Sociais", o professor Luiz Valério Trindade, doutor em ciências sociais pela Universidade de Southampton, na Inglaterra, dissecou milhares de usuários de rede social no Facebook e no Twitter. Sua investigação detectou que o discurso de ódio a populações minorizadas, historicamente presentes na sociedade brasileira, migrou para essas redes sociais, que se tornaram um "pelourinho moderno".
O professor identifica que mais de 80% dos discursos de ódio nessas redes são direcionados a mulheres negras em situação de ascensão: "É possível observar que a mobilidade social ascendente das mulheres negras desestabiliza essa hierarquia imaginária e desencadeia reações significativas de supremacistas brancos, como visto neste livro. Na verdade, os posts e tuítes analisados revelam que as conquistas simbólicas das mulheres negras conflitam frontalmente com o 'legítimo' espaço social a elas atribuído, o que, no imaginário coletivo, está profundamente associado à inferioridade e à subserviência", escreve.
Valério, ao comentar o pelourinho moderno que essas redes se tornam para "reeducar" mulheres negras, afirma que, "nesse contexto, os usuários que se engajam nessa prática estão, de fato, desempenhando o papel de vetores de transmissão de ideologias racistas coloniais muito arraigadas e naturalizadas e, com isso, reforçando sua perpetuação na sociedade brasileira".
Os alertas do professor Valério em seu livro deveriam orientar nossa conduta nas redes sociais. Seguindo a cartilha colonial, muitas são as pessoas que jogam suas pedras no pelourinho virtual, mas que se pensam revolucionárias. Numa paráfrase da pesquisa em que 89% dos brasileiros admitiam existir preconceito no Brasil, mas 90% se identificavam como não racistas, mulheres negras recebem 80% das "chibatadas virtuais" nas redes sociais, mas quem é que admite ser uma das pessoas que seguram o chicote?
E é fundamental pontuar que, pelo uso e atenção que despertam, esses discursos de ódio também geram ganhos financeiros para essas empresas, que não são obrigadas a restituir de nenhuma forma.
No mais, é possível trazer a reflexão do professor Valério para pensar as mulheres no geral. Podemos listar vários casos de meninas e mulheres que foram expostas nas redes por buscarem o aborto legal, da jornalista Patrícia Campos Mello, que foi atacada por milícias digitais por fazer seu trabalho, do show de horrores quando Dilma Rousseff era presidente do país, são vários.
De uma forma geral, é preocupante ver como pessoas se sentem mais confortáveis para humilhar e atacar mulheres nas redes sociais, posto que não há sérias consequências. Em artigo publicado ano passado, uma jornalista da BBC alvo de ataques apontou que 97% das contas que enviaram ataques misóginos no Twitter e no Instagram continuaram no ar após serem denunciadas.
São pontos que nos levam a uma questão central: a necessidade de intermediação entre empresas de redes sociais e a sociedade. Está mais que evidente que o Marco Civil se mostrou insuficiente e que a falta de regulação do poder público no setor tem impactado grupos sociais vulnerabilizados.
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