A sociedade já sabe que a crise climática afeta a todas as pessoas, mas precisamos aprofundar nosso entendimento sobre a maneira racista pela qual ela atinge comunidades, quilombos, favelas, periferias e aldeias: é a população afrodescendente que enfrenta seus piores efeitos, apesar de pouco ter contribuído para causá-la. E as práticas discriminatórias baseadas em raça e gênero, as normas socioculturais e as leis geram impactos desproporcionais nas mulheres e crianças afrodescendentes.
Nesse sentido, estamos representando Geledés - Instituto da Mulher Negra em Bonn, na Alemanha, na SB60, a Conferência do Clima da ONU, acompanhando as negociações e apresentando propostas para que as economias globais enfrentem os problemas das desigualdades sociais, do racismo sistêmico, das injustiças de gênero e da degradação ambiental nos territórios vulnerabilizados. No Brasil, estamos vivenciando uma das piores tragédias climáticas, as enchentes no Rio Grande do Sul, o que seria um motivo suficiente para que o Estado brasileiro liderasse as discussões sobre o tema, embora para isso tivesse que abandonar a equivocada ideia de seguir explorando petróleo.
Aqui ressaltamos um aspecto importante, mas menos explorado, deste tema: o racismo ambiental e a intolerância em relação às práticas religiosas, embora manifestem-se de maneiras distintas, estão profundamente entrelaçados, contribuindo conjuntamente para a marginalização e a vulnerabilidade de comunidades afrodescendentes e de religiões de matriz africana.
Essa dupla opressão não só ameaça a integridade física das comunidades, mas também mina suas tradições culturais e espirituais. A intolerância em relação às práticas religiosas de matriz africana impacta severamente as comunidades de terreiro: suas práticas culturais e espirituais são constantemente alvos de discriminação. Esses espaços sagrados, onde se preservam e se celebram as religiões de matriz africana, muitas vezes estão situados em áreas vulneráveis a desastres ambientais.
A degradação ambiental, portanto, pode levar à destruição de terreiros, locais sagrados e plantas medicinais essenciais para os rituais religiosos, resultando em perdas culturais e espirituais irreparáveis. Sua localização em zonas de risco não é acidental, mas um reflexo das políticas urbanas e ambientais que ignoram ou deliberadamente prejudicam essas comunidades, reforçando a exclusão histórica e sistêmica que sofrem.
Políticas públicas devem ser formuladas e implementadas com um entendimento profundo das interseções entre essas formas de discriminação, garantindo a proteção dos direitos territoriais, culturais e espirituais das comunidades afrodescendentes e de religião de matriz africana. Isso inclui a promoção de diálogos inclusivos, a proteção de territórios sagrados e a valorização de conhecimentos tradicionais na construção de soluções sustentáveis e equitativas para a crise climática.
Além disso, novos conceitos devem ser operacionalizados na proposição de enfrentamento da crise climática, de modo a reconhecer os modos de vida e saberes de diversos povos tradicionais. Os conhecimentos das comunidades de religião de matriz africana oferecem formas sustentáveis de interação com o meio ambiente que devem ser respeitadas, incorporadas e adotadas em maior escala nas políticas de combate à crise climática.
Deixamos um trecho para que Itã, narrativa sagrada iorubá, conte a história de nossa ancestralidade como uma comunidade global, através dos orixás e seus feitos, que são fundamentais para a preservação de nossa cultura de matriz africana e arquétipos de nossa origem comum.
Itã de Oxóssi e a Floresta
Oxóssi, o Orixá da caça e protetor das florestas, sempre foi conhecido por sua habilidade em encontrar sustento para sua comunidade sem destruir a natureza. Em uma época de grande escassez, quando os recursos estavam se tornando cada vez mais escassos, Oxóssi foi chamado a encontrar uma solução para alimentar seu povo. Em vez de explorar excessivamente os recursos da floresta, ele decidiu ouvir os conselhos dos mais velhos e dos animais, seus companheiros espirituais…"
Por fim, gostaríamos ainda de fazer nossa homenagem e lamentar pela perda da companheira Darlah Farias, militante do movimento negro e advogada da Amazônia, defensora da causa LGBTQIAPN+ e da floresta. No último dia 2 de junho, aos 36 anos, Darlah fez sua passagem para o Orun. Neste momento de dor, queremos nos solidarizar com os familiares e amigos, nossas companheiras do Coletivo Sapato Preto, do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa) e da Coalizão Negra por Direitos.
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