Nós não estamos dando atenção às nossas águas. O Brasil é um país conhecido por sua extensão em rios, um país tropical onde supostamente não deveria haver problemas de seca e falta de água para a população. Porém, contrariando o imaginário social, os estados do semiárido no Nordeste têm passado por seus piores casos de escassez hídrica, enquanto as grandes metrópoles no Sudeste intercalam episódios de grandes enchentes e secas. Já os estados do Norte, banhados de rios, ainda permanecem com os piores índices de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos do país, além de sofrer com a contaminação por metais pesados de seus rios por forte impacto das atividades garimpeiras ilegais e do avanço da agropecuária.
A água que sai nas torneiras é a água que escorre dos rios para sistemas de tratamento. Recentemente, a Agência Pública e a Repórter Brasil, com o projeto Por Trás do Alimento, divulgaram um levantamento apontando casos de água contaminada no país —sendo que não há dados sobre grande parte da região Norte, excetuando-se o estado do Tocantins.
Os resultados mostram que 763 cidades ofereceram água contaminada para sua população entre 2018 e 2020. No estado de São Paulo, foram identificados trihalometanos —compostos químicos e orgânicos que derivam do metano— no processo de desinfecção da água por três anos consecutivos (2018, 2019 e 2020). Em nenhum dos casos analisados no estudo a população foi informada sobre a contaminação.
Infelizmente, ainda é extremamente difícil encontrar dados sobre a quantidade e a qualidade do fornecimento de água no Brasil. Não há uma prática de transparência por parte das companhias de saneamento. Os dados divulgados ao Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde, são insuficientes para fiscalização e controle social. Por exemplo, quais foram as cidades afetadas por contaminações? E, nessas cidades, quais foram as microrregiões? Qual o tipo de acesso e tratamento que a população pode ter?
O levantamento identificou substâncias radioativas acima do limite em 22 municípios brasileiros, a maioria em Minas Gerais. Uma pesquisa recente, realizada pela Fiocruz em parceria com a WWF-Brasil, identificou que todos os participantes do estudo da etnia munduruku, no sudoeste do Pará, estavam contaminada com mercúrio. Em conjunto, esses dados fazem soar um forte alarme quanto aos impactos das atividades mineradoras e do garimpo ilegal sobre a população brasileira. Principalmente aquelas populações que têm no rio sua fonte direta de alimentação e de vida.
Além da contaminação por minérios, uma quantidade de pesticidas acima do limite foi encontrada na água da torneira de 50 cidades. Segundo o projeto Por Trás do Alimento, "19 dos pesticidas monitorados na água do Brasil são tão perigosos à saúde que foram proibidos na União Europeia. Cinco são ‘substâncias eternas’, tão resistentes que nunca se degradam".
Qual órgão público avalia os impactos disso na saúde da população? As Unidades Básicas de Saúde muitas vezes registram casos de doenças por veiculação hídrica, mas, e no caso de metais pesados, é realizado algum rastreamento?
No Brasil, temos em média 35 milhões de pessoas sem acesso à água potável. Quanta água contaminada essas populações, que estão em grande maioria nas áreas periféricas dos grandes centros urbanos —ou em áreas rurais— têm consumido?
No Dia da Água, as águas do Brasil pedem socorro porque estão ainda mais ameaçadas pelos projetos de lei que estão na agenda do Legislativo neste ano de 2022: a PL do veneno e a PL da grilagem. Aprovar esses projetos é assinar embaixo do genocídio das populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas, tradicionais e dos nossos rios. No Brasil do racismo ambiental, eles já são os primeiros impactados, mas essa realidade já não está longe das grandes cidades.
Nessa perspectiva, o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) Brasil/Dakar1, que deverá acontecer nos próximos dias, trará organizações ambientais, mobilizações sociais, ativistas e pesquisadores para debaterem conflitos por água e contra a privatização desse bem comum.
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