A promessa de déficit zero sempre foi pouco crível, mas à medida que há a criação de novos programas de governo aliada à falta de indicação de cortes de gastos e subsídios, torna mais difícil vislumbrar equilíbrio fiscal.
A partir disso, sob a pressão pelo aumento arrecadatório e de proteção a empresas nacionais, o próximo passo voltou a ser a taxação de compras internacionais de até US$ 50, segundo o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Muito além das comprinhas na Shein, o isolamento comercial prejudica os brasileiros e a economia. Este não deveria ser o rumo da solução para a dívida pública.
A busca pelo superávit requer uma abordagem mais abrangente e estratégica do que simplesmente aumentar as barreiras tarifárias. Deveria haver foco numa revisão de políticas públicas ineficientes e na reavaliação de benefícios tributários que não contribuem de maneira significativa para o desenvolvimento econômico e social.
Corretamente, o presidente Lula vetou a prorrogação da desoneração da folha aprovada pelo Congresso, mas, se não tiver esforço e articulação, o veto será derrubado.
Além disso, há outras desonerações que podem ser revistas: os concedidos à indústria de semicondutores, à indústria de defesa, à tributação específica do futebol, ao programa Rota 2030 e às indústrias de embarcações e aeronaves, para citar apenas alguns exemplos.
É fundamental questionar se esses incentivos trazem os retornos prometidos ou apenas dão benefícios a setores específicos às custas de toda sociedade.
Essa revisão não deve parar em benefícios tributários e regimes especiais. Ajustes e maior focalização no Programa Bolsa Família poderiam ser mais eficazes em reduzir a pobreza e ainda poupar R$ 100 bilhões, de acordo com Laura Machado.
Além disso, os supersalários do funcionalismo, que custam R$ 3,9 bilhões, segundo levantamento do CLP, representam uma distorção que precisa ser corrigida. Não é razoável que uma pequena parcela de servidores receba remuneração muito acima do teto constitucional enquanto a maioria da população tem que pagar mais impostos para tornar esse luxo possível.
Os programas mencionados são apenas para ilustrar que há possibilidade de aliar responsabilidade fiscal e políticas públicas de qualidade sem precisar se utilizar de tarifas que aumentam o isolamento comercial dos mais pobres em relação ao mundo.
A prática de taxar produtos importados de baixo valor, os minimis, é exceção no mundo desenvolvido. A prática comum é adotar valores de referência baixos que ficam isentos de impostos de importação, tal qual a política atual de isenção de US$ 50.
Diversas empresas de varejo se queixam da isenção pela dificuldade em competir. A solução, então, deveria ser também reduzir os impostos de importação para as empresas de modo que possam obter insumos e mesmo produtos prontos para revender no Brasil.
Então, independentemente da escolha de ter um valor isento ou não, é possível buscar tarifas mais acessíveis para compras de pessoas físicas dos que os aventados e praticados: como 20% até US$ 50 e mais de 90% de impostos pagos para compras acima desse valor.
As altas tarifas de importação para as empresas têm custos em termos de eficiência, competitividade global e crescimento econômico.
Um processo bem planejado de abertura poderia também auxiliar o Brasil na sua transição verde, bem como no combate a desigualdades sociais.
Por exemplo, uma nova redução nas tarifas equivalente à observada na liberalização comercial dos anos 1990 foi associada a uma diminuição na disparidade salarial entre brancos e negros de 18%, de acordo com o artigo de Guilherme Hirata e Rodrigo Soares. Com um país mais integrado ao mundo, a população teria acesso a produtos de melhor qualidade a preços mais baixos.
Portanto, a responsabilidade fiscal precisa vir acompanhada de uma estratégia de avaliação da efetividade de políticas públicas e do corte daquelas que forem inefetivas e custosas ao país. Insistir em taxação e isolamento comercial não só não resolveria as contas públicas, como reduziria as possibilidades de desenvolvimento social e econômico.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.