Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

O white lady provocou disputas entre bartenders lendários

Drinque foi criado nos anos 1920 por Harry Craddock, bartender do Savoy, em Londres

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Em meio aos tijolos, as paredes podem ter ouvidos, gatos pretos e, ao menos em um caso, uma coqueteleira —esta por obra de Harry Craddock. Como um pirata moderno, o lendário bartender do Savoy, em Londres, enterrou verticalmente seu tesouro, que nunca foi encontrado, por mais que se ausculte o interior do bar —passou invisível até pelas marretas de uma reforma.

Há quem diga que ele foi mais fundo, justamente nas fundações do prédio, o que não deixa de ter ressonância poética.

Nos 50 anos de sua morte, em 2013, bartenders do mundo inteiro fizeram-lhe uma homenagem. Começaram cedo, brindando com taças de Lillet em volta de sua tumba. A procissão de carros dos anos 1930 foi então ao Savoy, onde os celebrantes, devidamente trajados, deliciaram-se com as invenções de um dos pais da mixologia.

O ato final, como não poderia deixar de ser, foi colocar uma coqueteleira com amostras dessas criações entre os ouvidos de alguma parede secreta. Saber se alguém, no futuro, vai encontrar a mensagem na coqueteleira é tão incerto quanto o próprio futuro.

Fúteis para alguns, absolutamente necessárias para outros, as coqueteleiras começaram a ocupar balcões de bares nos anos 1850. Mas foi depois da Primeira Guerra que adotaram as formas modernas de hoje, tornando-se objetos art déco por excelência.

Designers se esmeraram. A coqueteleira podia assumir as feições de um urso polar, um pinguim, um zepelim, uma bala de fuzil ou um farol, com lâmpada no alto e caixa de música na base.

Néli Pereira, do espaço Zebra, em São Paulo, usa coqueteleira para preparar drinques - Gabriel Cabral - 17.jun.21/Folhapress

Loucos para afastar a loucura da carnificina da memória, todo mundo queria ter seus 12 segundos de glória social. É o tempo médio em que se chacoalha a coqueteleira, de preferência com aplomb, espalhando reflexos de luz etílica pela sala.

O drinque que Harry Craddock escolheu para cimentar foi o white lady, que ele criou em meados dos anos 1920. A imagem tem algo de involuntariamente lúgubre, pois faz pensar no conto de Poe —o que só é reforçado pela aparência etérea da bebida, "que ocupa a taça como um fantasma, dando a impressão de mal tocar as bordas", na descrição de Victoria Moore, em "How to Drink."

Craddock teria se inspirado na White Lady Banks Rose, espécie de rosa branca, por sua vez batizada pelo botanista Sir Joseph Banks. O cientista britânico foi braço direito do capitão Cook nas viagens que o Endeavour fez pela Austrália, Nova Zelândia e Taiti no final do século 18, passando inclusive pelo Rio de Janeiro. Banks era descrito como um bon vivant, o que faz supor que praticasse o levantamento de copo.

Outro Harry, o escocês MacElhone, famoso pelo Harry's Bar de Paris, também disputava a autoria do white lady. De fato, em 1919 ele criou um drinque com esse nome, mas com crème de menthe no lugar do gim. Quando corrigiu a rota de sua receita, Craddock já tinha fincado bandeira no white lady, tal como ficou conhecido.

Há quem diga que Zelda Fitzgerald pode ter sido a verdadeira inspiração para o coquetel. Craddock a serviu no Savoy e ficou impressionado. Se o marido, Scott, costumava ficar branco e desmaiar com doses excessivas de álcool, ela, enérgica, exuberante, "jovem eterna, pronta para fazer da vida o que bem entendesse", não tinha nada de fantasma.

Casa Meio do Céu - Bar Bruxaria
Drinque white lady - Divulgação

WHITE LADY

45 ml de gim

30 ml de licor de laranja

22,5 ml de suco de limão siciliano

1 clara de ovo

Chacoalhe os ingredientes a seco numa coqueteleira. Depois acrescente gelo e chacoalhe de novo. Coe para uma taça coupe gelada.

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