Foi Arthur Lira, jagunço de Bolsonaro na Câmara, quem deu a senha. Ao reconhecer a eleição de Lula, disse que não aceita "revanchismo ou perseguições, seja de que lado for" e que "agora, é olhar adiante". Traduzindo, vamos passar uma borracha em todos os crimes cometidos por Bolsonaro e a gente (o centrão) não inferniza o governo Lula como Eduardo Cunha fez com Dilma.
Nada mais brasileiro na política, no pior sentido: o acordão, o conchavo, os panos quentes que livram a cara da bandidagem de terno e gravata. Bolsonaro deixará o governo arrastando a mais extensa "capivara" de que se tem notícia no Brasil democrático. De delitos eleitorais a crimes contra a democracia e a saúde pública, como charlatanismo e epidemia com resultado de morte.
Qualquer tentativa de perdão a Bolsonaro é apostar no fracasso da democracia, na falência das instituições e na frustração das expectativas de que o país consiga se reerguer. Justiça não é vingança ou revanchismo. É o alicerce que reforça a crença do cidadão na democracia. Sem ela, o que sobra é impunidade e o encorajamento ao vale-tudo, exatamente o que se vê nas estradas e portas de quartéis com legiões fanatizadas.
No Brasil, a perversa tradição dos arranjos espúrios tem seu exemplo máximo na Lei de Anistia que, até hoje, protege assassinos e torturadores da ditadura. Nisso, temos muito a aprender com a Argentina, que soube levar ao banco dos réus e à prisão os responsáveis pela barbárie do regime militar que lá vigorou de 1976 a 1983.
Na belíssima peça de acusação, o promotor Julio César Strassera, referindo-se aos crimes dos ditadores, traça as linhas divisórias da civilização: "O sadismo não é uma ideologia política nem uma estratégia bélica. É uma perversão moral". É disso que se trata: a consciência moral de um país é inegociável. Deveria valer para os crimes da ditadura e para os crimes de Bolsonaro. Falta dizer aqui o que os argentinos disseram lá: "Nunca más!".
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