Italiano, � psicanalista, doutor em psicologia cl�nica e escritor. Reflete sobre cultura, modernidade e as aventuras do esp�rito contempor�neo (patol�gicas e ordin�rias). Escreve �s quintas.
De que lado voc� est�?
1) Conversar se tornou dif�cil. N�o porque podemos ter vis�es e convic��es diferentes –ao contr�rio, as diferen�as tornariam as discuss�es mais proveitosas.
O que faz com que conversar tenha se tornado dif�cil � que, em geral, nosso interlocutor s� quer saber de que lado n�s estamos?
As pessoas divergem, poderiam aproveitar sua discord�ncia; mas a maioria s� quer "descobrir", entender, inventar ou decidir (apressadamente) de que lado est� o outro.
Em outras palavras, o intento do debate n�o � articular a complexidade dos fatos e das escolhas poss�veis. Trata-se apenas de saber se voc� � "um dos nossos" ou n�o. Obviamente, quem n�o for "um dos nossos" � contra a gente.
N�o tente dizer que voc� n�o est� de lado algum. Ou melhor, tente, e isso ser� a prova esperada de que voc� � "contra a gente".
2) Nos primeiros anos do gin�sio (come�o dos anos 1960), a quest�o era: voc� � Sartre ou � Camus?
Os que eram Camus gostavam de discutir, questionar, porque, fundamentalmente, achavam que cada indiv�duo � cheio de conflitos, de contradi��es, de desejos n�o resolvidos e de perguntas sem resposta.
Os que eram Sartre s� queriam saber se voc� estava do lado deles e da classe oper�ria ou n�o.
Eu era Camus. Talvez devido ao S., que era muito Camus e eu amava de longe. Mas n�o s� por isso.
A necessidade de estar de um dos lados, "sem frescuras" (como algu�m me disse nestes dias), � uma p�ssima conselheira. S� para lembrar: quando Andr� Gide voltou da Uni�o Sovi�tica, em 1936, dizendo que aquilo era um horror, poucos, na esquerda, ficaram a fim de questionar a experi�ncia stalinista; ao contr�rio, o que ele escrevia "provava" que Gide n�o devia ser "um dos nossos" –embora, na �poca, ele fosse comunista.
E quando Sartre fez sua viagem � Uni�o Sovi�tica, em 1954, ele achou tudo lindo e se sentiu inteiramente "um dos nossos", sem as "frescuras" de Camus, que questionava o stalinismo desde 1946.
Moral da hist�ria? Quem se preocupa com o lado em que cada um est� geralmente deixa de enxergar, simplesmente, a realidade.
3) A pergunta "de que lado voc� est�?" � confort�vel porque permite evitar as eventuais incertezas diante da complexidade do mundo.
No lugar do tormento de escolhas e entendimentos sempre imperfeitos, a pergunta "de que lado voc� est�?" nos introduz ao "pensamento coletivo", que � apenas um jeito de cimentar o grupo "da gente".
O pensamento coletivo tem a �nica miss�o de fazer existir o grupo. Assim, no melhor dos casos, ele se apresenta como s�rie de palavras de ordem compartilhadas. No pior dos casos, � pura ret�rica da cumplicidade, que celebra o fato de que "os outros" s�o inimigos.
Nesse caso, o pensamento coletivo � uma mistura de piadas prontas, uma zoeira de padaria que s� alimenta a ideia de que os outros s�o os "filhos da puta", os "covardes", os "idiotas"... E, claro, uma mulher s� pode ser "a nega".
O pensamento coletivo, em outras palavras, n�o � pensamento algum; � apenas a express�o de uma cumplicidade est�pida, rude –bo�al seria a palavra certa, se n�o fosse politicamente incorreta.
Algumas conversas gravadas pela Lava Jato (entre Rui Falc�o e Jaques Wagner, por exemplo) poderiam ilustrar um tratado sobre os efeitos do "pensamento coletivo" em quem se deixa levar a pratic�-lo.
4) Falando em grava��es, uma observa��o sobre a famosa conversa entre Lula e a presidente Dilma mandando a ele o termo de posse como ministro. H� controv�rsias quanto � legalidade do grampo e � legitimidade de torn�-lo p�blico. Li argumentos de juristas que respeito, alguns a favor, outros contra.
Mas a quest�o jur�dica n�o � decisiva, para mim. Por anarquismo de temperamento, considero que a sociedade � sempre mais importante que o Estado e seus governos. Na mesma linha, tento nunca me esquecer de que, em �ltima inst�ncia, a autoridade de qualquer governo ou Estado sempre prov�m do povo.
Por isso, n�o aceito facilmente que um governo ou um Estado esconda suas a��es do povo, que � a �nica fonte da autoridade deles.
Edward Snowden, ao tornar p�blicos documentos secretos, pode ter tra�do o governo dos EUA, mas ser� que traiu o povo americano? Eu n�o me senti tra�do por ele.
Semana que vem tento continuar. E, por favor, n�o decida j� de que lado estou.
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