Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu STF

Defender o STF de seus ministros

A promiscuidade joga mais gasolina nos ataques extremistas

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Pouca coisa importa mais para a democracia sob a mira de um projeto autocrático que tribunais independentes e com clareza de horizonte. Tribunais orientados por uma suprema corte corajosa, que inspira pelo argumento e lidera pela jurisprudência. Uma corte cujos ministros educam pelo exemplo, além de tirocínio e competência. Que pelo menos tentem não bajular o poder econômico e político, e lhes façam contrapeso.

Não temos essa suprema corte nem esses ministros. As últimas exceções foram Rosa Weber e Edson Fachin, este ainda no STF. Erraram e acertaram, mas entenderam o valor do decoro na proteção do STF. Entenderam o risco da promiscuidade e do conflito de interesses para a respeitabilidade do STF. Mostraram que sua cadeira cheia de poderes implica mais ônus e deveres, não menos. Vida mais regrada, sem rega-bofes pagos pelo lobby advocatício e empresarial que os corteja.

homem de terno careca discursa diante de painel com fotos de outros homens
O ministro do STF Gilmar Mendes no Fórum Jurídico Brasil de Ideias, em Londres, em abril - Reprodução @grupovoto no instagram

Enquanto Weber e Fachin se preservavam, outros ministros se acostumaram a pecar. Até esquecermos que, por trás do pecado, há ilícito.

Submeter o mau comportamento judicial à crítica jurídica é uma causa constitucional. Mesmo não sujeitos a controle externo, mesmo detentores da última palavra institucional sobre o legal e o ilegal, ministros precisam ouvir, em interpelação franca, que é ilícito. Quem sabe um dia algum ministro reconhece, senão algum erro, pelo menos algum dever.

Criticar ministros do STF pelas razões corretas, e não pelas razões bolsonaristas, significa defender a instituição do STF, não o contrário. Mas há quem veja na crítica uma picuinha moralista. E a considere não só injusta com um tribunal que teria salvado a democracia, mas imprudente diante de um extremismo que, impune, volta a se fortalecer. Essa leitura comete erros brutos.

Confundir a instituição com seus membros é erro analítico; atribuir aos ministros do STF um mérito heroico e isolado de resistência ao bolsonarismo é erro de interpretação histórica; fazer vista grossa para seus ilícitos comportamentais em função desse "crédito" que a façanha histórica lhes teria agraciado, e o receio de que a boa crítica fragilize ainda mais o tribunal, é um erro político.

A jornada do tribunal-herói há de ser desmistificada. Em primeiro lugar, para mostrar como a resistência ao bolsonarismo, mesmo que importante, foi pontual. Caminhou lado a lado da omissão e do atraso na contenção de outros estragos que poderiam ter sido minimizados (o descontrole das armas, por exemplo).

Foi e tem sido insuficiente. Em segundo lugar, para não esquecer o quanto o STF ajudou na construção das condições para que Bolsonaro crescesse e ganhasse eleição.

Em terceiro lugar, para perceber que a fragilização da autoridade do STF é uma empreitada feita em parceria: extremistas atacam a instituição por fora; ministros atacam a instituição por dentro. Perderam a noção de sua responsabilidade.

O inimigo externo pode ser mais estridente, mas não é mais perigoso que o inimigo íntimo. O papel fundamental de ministros do STF na degradação da democracia brasileira nos últimos dez anos precisa ser bem contado: sem condescendência, miopia ou amnésia.

Só no último mês, soubemos que: ministros passaram semanas no exterior para eventos privados diversos com empresários; recebendo diárias; um ministro custou R$ 100 mil em segurança na Europa; R$ 200 mil foram gastos em segurança nos EUA, não se sabe com quem; não divulgam agenda. E nem falamos de algumas de suas decisões monocráticas, do que entrou e saiu da agenda e por quê.

Nosso sarrafo de avaliação do desempenho do STF permanece demasiado baixo. Ao impor obstáculos ao ataque bolsonarista, ministros do STF não fizeram muito mais que sua obrigação (além de garantir seu interesse de sobrevivência).

Tiveram papel central para impedir que, por pouco, não rompessem a democracia. Mas não perceberam que a autoridade do tribunal permanece magra e precária para os próximos choques. E não deixam de investir tempo e energia para continuar a debilitá-la.

Em pesquisa do PoderData, de maio de 2024, o STF faz um trabalho "ótimo ou bom" para 14% dos entrevistados. Em 2022, eram 31%. Um tribunal, mesmo que não deva se curvar à opinião pública quando decide, não deveria ignorá-la. Ainda mais nessas circunstâncias. Mesmo sem saber a combinação de fatores que explica o índice em queda, não há dúvida de que a libertinagem joga mais gasolina.

Ministros, ajudem-nos a ajudá-los. Quando a imagem do STF despenca, o soldado e o cabo se excitam.

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